TEMATICA VARIADA, COM MAIOR INCIDÊNCIA NA MUSICA GENERALISTA, E NA FOTOGRAFIA, OBVIAMENTE COMO PILAR DE ESTAS DUAS FORMAS DE ARTE, ESTARÁ A POESIA
sábado, 20 de março de 2010
A DANÇA Não te amo como se fosse rosa de sal, topázio ou flecha de cravos que propagam o fogo: te amo secretamente, entre a sombra e a alma. . Te amo como a planta que não floresce e leva dentro de si, oculta, a luz daquelas flores, e graças a teu amor vive escuro em meu corpo o apertado aroma que ascender da terra. . Te amo sem saber como, nem quando, nem onde, te amo directamente sem problemas nem orgulho: assim te amo porque não sei amar de outra maneira, . Se não assim deste modo em que não sou nem és tão perto que a tua mão sobre meu peito é minha tão perto que se fecham teus olhos com meu sonho.
Tua carne é a graça tenra dos pomares e abre-se teu ventre de uma a outra lua; de teus próprios seios descem dois luares e desse luar vestida é que ficas nua.
Ânsia de voo em asas de ficar de ti mesma sou o mar e o fundo. Praia dos seres, quem te viajar só naufragando recupera o mundo.
Ritmo de céu, por quem és pergunta de uma azul resposta que não trazes junta vitral de carne em catedral infinda.
Ter-te amor é já rezar-te, prece de um imenso altar onde acontece quem no próprio corpo é céu ainda.
Vítor Matos e Sá, in 'Horizonte dos Dias'
Personagem
Teu nome é quase indiferente e nem teu rosto já me inquieta. A arte de amar é exatamente a de ser poeta.
Para pensar em ti, me basta o próprio amor que por ti sinto: és a ideia, serena e casta, nutrida do enigma do instinto.
O lugar da tua presença é um deserto, entre variedades: mas nesse deserto é que pensa o olhar de todas as saudades.
Meus sonhos viajam rumos tristes e, no seu profundo universo, tu, sem forma e sem nome, existes, silencioso, obscuro, disperso.
Todas as máscaras da vida se debruçam para o meu rosto, na alta noite desprotegida em que experimento o meu gosto.
Todas as mãos vindas ao mundo desfalecem sobre o meu peito, e escuto o suspiro profundo de um horizonte insatisfeito.
Oh! que se apague a boca, o riso, o olhar desses vultos precários, pelo improvável paraíso dos encontros imaginários!
Que ninguém e que nada exista, de quanto a sombra em mim descansa: — eu procuro o que não se avista, dentre os fantasmas da esperança!
Teu corpo, e teu rosto, e teu nome, teu coração, tua existência, tudo — o espaço evita e consome: e eu só conheço a tua ausência.
Eu só conheço o que não vejo. E, nesse abismo do meu sonho, alheia a todo outro desejo, me decomponho e recomponho...
Cecília Meireles, in 'Viagem'
Veio Tudo de Longe
Veio tudo de longe para ser uma só coisa, nupcial e magnífica. Caminho e tenda. O mar. Livros. A indizível matéria da dor. Ternura cercada e repartida, pouco a pouco, à mesa rápida dos lábios, clandestina voz baixa das mãos juntas. Sobreviventes de invernos, dúvidas, denúncias. E o teu sorriso honrado. A oferta duplicada e vulcânica dos seios. Esta noite que nos pôs à prova. Sobre o vento e o repouso do vento. E a música ainda cheia de muitos outros quartos. Sim, a importância do teu rosto: alvo claro deste mês desmedido que nós somos.
Veio tudo de longe para ser uma só coisa, sagrada e partilhável.
O banho comum gradual e abundante dos sentidos. As faces que só tenho entre o convívio doce dos teus dedos sempre em férias. E a chave do desejo. Erecta dureza doadora do óleo e da viagem aos lugares da origem e do êxtase. Resposta da terra contra a terra.
E a surpresa ensina e desvenda as partes mais antigas da alegria dupla, densa, nadadora, nossa.
Vítor Matos e Sá, in 'Companhia Violenta'
sexta-feira, 19 de março de 2010
A VOZ DAS COISAS
Eu tanto amo as primeiras paisagens que vi na infância, que o infinito rumor nem sempre vem à tona. (A poesia mora entre as neblinas).
Quero falar dos rios que conheci há muito tempo, e que rasgam meu olhar sem crueldade; quero falar da procissão e do azul dos seus andores, dos redemoinhos de terror e susto espiralando em meu coração.
Quero falar das gentes, dos vizinhos da frente, de trás, dos lados de minha casa, do verde cheiro de terra molhada, de eternos limites que o vento criou dentro de mim.
É ruidoso o sentimento, poesia que ferve, machuca, queima e nem sempre se mostra.
A minha terra, primeira morada dos sonhos, antes me continha, e hoje, tão forte eu a prendo na alma que ela não escorre de mim.
(Maria Lúcia Felix)
A Imagem Divina
Compaixão, Pena, Paz & Amor, Todos lhes rezam no seu sofrimento; E a estas virtudes de tanto fulgor Entregam o seu agradecimento.
Compaixão, Pena, Paz & Amor É Deus, nosso pai adorado, Compaixão, Pena, Paz & Amor É o Homem, seu filho amado.
Tem Compaixão humano coração, E tem a Pena uma face humana, Amor, a forma divina de eleição E a Paz, o traje que irmana.
Todo o homem, em todo o clima, Que, com dor, reza como é capaz, Reza à forma humana divina, Amor, Compaixão, Pena & Paz.
A humana forma amar é um dever, Para os ateus, os turcos, os judeus; Compaixão, Amor & Pena, haja onde houver, Também é lá que encontrareis Deus.
William Blake, in "Canções da Inocência"
Elegia da Lembrança Impossível
O que não daria eu pela memória De uma rua de terra com baixos taipais E de um alto ginete enchendo a alba (Com o poncho grande e coçado) Num dos dias da planície, Num dia sem data. O que não daria eu pela memória Da minha mãe a olhar a manhã Na fazenda de Santa Irene, Sem saber que o seu nome ia ser Borges. O que não daria eu pela memória De ter lutado em Cepeda E de ter visto Estanislao del Campo Saudando a primeira bala Com a alegria da coragem. O que não daria eu pela memória Dos barcos de Hengisto, Zarpando do areal da Dinamarca Para devastar uma ilha Que ainda não era a Inglaterra. O que não daria eu pela memória (Tive-a e já a perdi) De uma tela de ouro de Turner, Tão vasta como a música. O que não daria eu pela memória De ter sido um ouvinte daquele Sócrates Que, na tarde da cicuta, Examinou serenamente o problema Da imortalidade, Alternando os mitos e as razões Enquanto a morte azul ia subindo Dos seus pés já tão frios. O que não daria eu pela memória De que tu me dissesses que me amavas E de não ter dormido até à aurora, Dissoluto e feliz.
Jorge Luis Borges, in "A Moeda de Ferro"
O Jardim do Amor
O Jardim do Amor fui visitar, E vi então o que jamais notara: Lá bem no meio estava uma Capela, Onde eu no prado correra e brincara.
E os portões desta Capela não abriam, E "Não farás" sobre a porta escrito estava; E voltei-me então para o Jardim do Amor Lá onde toda a doce flor se dava;
E os túmulos enchiam todo o campo, E eram esteias funerárias as flores; E Padres de preto, em seu passeio secreto, Atando com pavores minhas alegrias & amores.
William Blake, in "Canções da Experiência"
quinta-feira, 18 de março de 2010
E à Arte o Mundo Cria
Seguro Assento na coluna firme Dos versos em que fico, Nem temo o influxo inúmero futuro Dos tempos e do olvido; Que a mente, quando, fixa, em si contempla Os reflexos do mundo, Deles se plasma torna, e à arte o mundo Cria, que não a mente. Assim na placa o externo instante grava Seu ser, durando nela.
Ricardo Reis, in "Odes" Heterónimo de Fernando Pessoa
Minha esperança perdeu seu nome... Fechei meu sonho, para chamá-la. A tristeza transfigurou-me como o luar que entra numa sala.
O último passo do destino parará sem forma funesta, e a noite oscilará como um dourado sino derramando flores de festa.
Meus olhos estarão sobre espelhos, pensando nos caminhos que existem dentro das coisas transparentes. E um campo de estrelas irá brotando atrás das lembranças ardentes.
Cecília Meireles, in 'Viagem'
O Que Alguém Disse
"Refugia-te na Arte" diz-me Alguém "Eleva-te num vôo espiritual, Esquece o teu amor, ri do teu mal, Olhando-te a ti própria com desdém.
Só é grande e perfeito o que nos vem Do que em nós é Divino e imortal! Cega de luz e tonta de ideal Busca em ti a Verdade e em mais ninguém!"
No poente doirado como a chama Estas palavras morrem... E n'Aquele Que é triste, como eu, fico a pensar...
O poente tem alma: sente e ama! E, porque o sol é cor dos olhos d'Ele, Eu fico olhando o sol, a soluçar...
Florbela Espanca, in "Livro de Sóror Saudade"
terça-feira, 16 de março de 2010
Camufelagem
Minha raízes proliferam no fundo Onde a seiva vivifica e se enobrece. Sinto o vapor acre emanando da terra Aguas, musgo, humus, areia Cheiro de folhas da última estação.
Frutos madurados pelo sol apetecem, Sumo a escorrer e manchar a pele. Tanto verde martelando na veia Fáz-me planta misturada à vegetação Iguais a todas que há no mundo...
Vicejo em flores que amadurecem E ninguém percebe.
-Helena Frontini-
Poema
A Função do Amor é Fabricar Desconhecimento
a função do amor é fabricar desconhecimento
(o conhecido não tem desejo;mas todo o amor é desejar) embora se viva às avessas,o idêntico sufoque o uno a verdade se confunda com o facto,os peixes se gabem de pescar
e os homens sejam apanhados pelos vermes(o amor pode não se importar se o tempo troteia,a luz declina,os limites vergam nem se maravilhar se um pensamento pesa como uma estrela —o medo tem morte menor;e viverá menos quando a morte acabar)
que afortunados são os amantes(cujos seres se submetem ao que esteja para ser descoberto) cujo ignorante cada respirar se atreve a esconder mais do que a mais fabulosa sabedoria teme ver
(que riem e choram)que sonham,criam e matam enquanto o todo se move;e cada parte permanece quieta:
pode não ser sempre assim;e eu digo que se os teus lábios,que amei,tocarem os de outro,e os teus ternos fortes dedos aprisionarem o seu coração,como o meu não há muito tempo; se no rosto de outro o teu doce cabelo repousar naquele silêncio que conheço,ou naquelas grandiosas contorcidas palavras que,dizendo demasiado, permanecem desamparadamente diante do espírito ausente;
se assim for,eu digo se assim for— tu do meu coração,manda-me um recado; para que possa ir até ele,e tomar as suas mãos, dizendo,Aceita toda a felicidade de mim. E então voltarei o rosto,e ouvirei um pássaro cantar terrivelmente longe nas terras perdidas.
E. E. Cummings, in "livrodepoemas"
Alma Serena
Alma serena, a consciência pura, assim eu quero a vida que me resta. Saudade não é dor nem amargura, dilui-se ao longe a derradeira festa.
Não me tentam as rotas da aventura, agora sei que a minha estrada é esta: difícil de subir, áspera e dura, mas branca a urze, de oiro puro a giesta.
Assim meu canto fácil de entender, como chuva a cair, planta a nascer, como raiz na terra, água corrente.
Tão fácil o difícil verso obscuro! Eu não canto, porém, atrás dum muro, eu canto ao sol e para toda a gente.
Fernanda de Castro, in "Ronda das Horas Lentas"
Se os Poetas Dessem as Mãos
Se os Poetas dessem as mãos e fechassem o Mundo no grande abraço da Poesia, cairiam as grades das prisões que nos tolhem os passos, os arames farpados que nos rasgam os sonhos, os muros de silêncio, as muralhas da cólera e do ódio, as barreiras do medo, e o Dia, como um pássaro liberto, desdobraria enfim as asas sobre a Noite dos homens.
Se os Poetas dessem as mãos e fechassem o Mundo no grande abraço da Poesia.
Fernanda de Castro, in "Ronda das Horas Lentas"
segunda-feira, 15 de março de 2010
Niver de Oswaldo Montenegro!
Água clara desce a cachoeira Bate como bate o coração da mata Anunciando o verão Bate como bate o sino E como bate louco o violão E como bate o carro na cidade E como bate a luz do sol na lua A refletir meu coração Bate como a água desce a cachoeira, o curso em turbilhão, Como não manda o figurino Como manda esse menino doido Que é meu coração!
DA(leoa)
A Poem
A Poem can set you free Can give you wings Can raise you to the light Can make you see Learn to hold on to a little poem, a little song follow it wherever it takes you in your dreams
A Poem has the quality of a prayer That you gently recite Say to yourself Listen to a poem and what it sings --A seed will in the dark Obey the tree
A Possibilidade de uma Ilha
Minha vida, minha vida, minha muito ancestral Mal cumprido o meu primeiro voto Repudiado o meu primeiro amor, Precisei do teu retorno.
Precisei de conhecer O que a vida tem de melhor, Quando dois corpos brincam com a felicidade E se unem e renascem sem fim.
Dominado por uma dependência total, Sei o estremecimento do ser A hesitação em desaparecer, O sol que incide de través
E o amor, onde tudo é fácil, Onde tudo é dado no momento; Existe no meio do tempo A possibilidade de uma ilha.
Michel Houellebecq, in "A Possibilidade de uma Ilha"
Não Há Amor Suficiente
Não há amor (Não, não o suficiente) Vivemos sem auxílio, Morremos sozinhos.
O recurso à comiseração Ressoa no vazio, Os nossos corpos estão estropiados Mas a carne continua ávida.
Desaparecidas as promessas De um corpo adolescente, Entramos na velhice Onde nada nos espera
Resta a memória vã Dos dias desaparecidos, Um sobressalto de aversão E o desespero despido.
Michel Houellebecq, in "A Possibilidade de uma Ilha"
Mãe, Eu Estou tão Cansado
Mãe, eu estou tão cansado e sinto nos ossos o chamamento da água, o chamamento sibilino que se confunde com o ranger das portas das casas onde jamais voltarei: venha veloz o sono capaz de me resgatar e que dentro dele se perfilem as sombras e os gestos, exército dos meus medos mais secretos, temores enrodilhados na roupa húmida das camas. Mãe, a luz não se demora no meu quarto, morre nas corolas das flores que trouxeste para o riso não murchar, e eu fico doente só de olhar os muros onde a hera é espiral de espanto, raiz de uma enfermidade latente. Não voltarei às actas do desespero, que são sombrias e magras como os corpos dos amantes que definham sobre a [areia na fúria da maré, com uma gramática de murmúrios escondida na solidão branca das dunas, mãe.
José Jorge Letria, in "Actas da Desordem do Dia"
A Minha Saudade Tem o Mar Aprisionado
A minha saudade tem o mar aprisionado na sua teia de datas e lugares. É uma matéria vibrátil e nostálgica que não consigo tocar sem receio, porque queima os dedos, porque fere os lábios, porque dilacera os olhos. E não me venham dizer que é inocente, passiva e benigna porque não posso acreditar. A minha saudade tem mulheres agarradas ao pescoço dos que partem, crianças a brincarem nos passeios, amantes ocultando-se nas sebes, soldados execrando guerras. Pode ser uma casa ou uma rede das que não prendem pássaros nem peixes, das que têm malhas largas para deixar passar o vento e a pressa das ondas no corpo da areia. Seria hipócrita se dissesse que esta saudade não me vem à boca com o sabor a fogo das coisas incumpridas. Imagino-a distante e extinta, e contudo cresce em mim como um distúrbio da paixão.
José Jorge Letria, in "A Metade Iluminada e Outros Poemas"
Quando Eu For Pequeno
Quando eu for pequeno, mãe, quero ouvir de novo a tua voz na campânula de som dos meus dias inquietos, apressados, fustigados pelo medo. Subirás comigo as ruas íngremes com a certeza dócil de que só o empedrado e o cansaço da subida me entregarão ao sossego do sono.
Quando eu for pequeno, mãe, os teus olhos voltarão a ver nem que seja o fio do destino desenhado por uma estrela cadente no cetim azul das tardes sobre a baía dos veleiros imaginados.
Quando eu for pequeno, mãe, nenhum de nós falará da morte, a não ser para confirmarmos que ela só vem quando a chamamos e que os animais fazem um círculo para sabermos de antemão que vai chegar.
Quando eu for pequeno, mãe, trarei as papoilas e os búzios para a tua mesa de tricotar encontros, e então ficaremos debaixo de um alpendre a ouvir uma banda a tocar enquanto o pai ao longe nos acena, lenço branco na mão com as iniciais bordadas, anunciando que vai voltar porque eu sou [pequeno e a orfandade até nos olhos deixa marcas.
José Jorge Letria, in "O Livro Branco da Melancolia"
Uma Cidade
Uma cidade pode ser apenas um rio, uma torre, uma rua com varandas de sal e gerânios de espuma. Pode ser um cacho de uvas numa garrafa, uma bandeira azul e branca, um cavalo de crinas de algodão, esporas de água e flancos de granito. Uma cidade pode ser o nome dum país, dum cais, um porto, um barco de andorinhas e gaivotas ancoradas na areia. E pode ser um arco-íris à janela, um manjerico de sol, um beijo de magnólias ao crepúsculo, um balão aceso
numa noite de junho.
Uma cidade pode ser um coração, um punho.
Albano Martins, in "Castália e Outros Poemas"
domingo, 14 de março de 2010
ÁRIA PARA FLAUTA . Entre o luar e a praia tua medida exata . e em meu céu desmaia outra ilusão de prata; . sempre o amor me atraia no azul da serenata: . -serás a antiga praia, serei o luar de prata. . Colombo de Sousa
Poética de um Rosto?
Que a neofiguração se torne ní- tida. Do objecto sedutor. Incrus- tado nas vozes. Quanto resul- taria, iluminado pelo silêncio. O painel de onde se despren- de a linha. Um modelo clássico que revele. As palavras eter- nas da fábula de Hero.
Proximidade incompreensível como a de alguns poemas. Sen- timentos que são indecifráveis. Uma dedução para o fim. Tal- vez o amor jubiloso dentro da quarta parte da pupi- la do olhar divisível pela cruz axial. Encontrado na pai- sagística do rosto. Expecta- tiva de um sentido propício. A revelação verso por verso.
Fiama Hasse Pais Brandão, in "Nova Natureza"
A um Poema
A meio deste inverno começaram a cair folhas demais. Um excessivo tom amarelado nas imagens. Quando falei em imagem ia falar de solo. Evitei o imediato, a palavra mais cromática.
O desfolhar habitual das memórias é agora mais geral e também mais súbito. Mas falaria de árvores, de plátanos, com relativa evidência. Maior ou menor distância, ou chamar-lhe-ei rigor evocativo, em nada diminui
sequer no poema a emoção abrupta. Tão perturbada com a intensa mancha colorida. Umas passadas hesitantes, entre formas vulgares e tão diferentes. A descrição distante. Sobretudo esta alheada distância em relação a um Poema.
Fiama Hasse Pais Brandão, in "Nova Natureza"
O Nada. Sobretudo na Fase de Exaltação
Os ramos de árvores despidos que nos lembram o nada. Sobretudo na fase de exaltação do espírito. Com a cabeça encostada aos vidros altos.
Simultaneamente procurar o centro da irradiação. O Sol matinal com os seus hiatos preenchidos por casas. Ameias onde se invertem os vértices do horizonte. Sol magnânimo
fixo sobre as árvores abençoadas sem folhas. Infinitos pormenores visíveis e espaços audíveis preenchem a hora exaltada. Ponto profusamente cheio. Um fino silêncio exterior
sinal do nada circundante. Graveto junto de graveto cruzados para além do fim da perspectiva. Um significado diverso naquelas ameias em outros planos. O nada sempre coeso. Uma respiração intangível e sem sombras.