Pra quem mora lá, o céu é lá: o Brasil de Osgemeos em Lisboa
Há desses dias impressionantes. É possível estar-se perdido entre as antiguidades da Rua do Lavradio, jurar por alguns segundos ter se apartado da cidade, sentir o silêncio e o cinza. No meio da cidade e do engarrafamento axiomático da ponte Rio-Niterói, está, no fundo de um daqueles prédios antigos e maltratados, um imenso painel em preto e branco, entre a psicodelia e o bizarro. Seus autores: Otávio e Gustavo Pandolfo, nascidos ambos de um mesmo parto em São Paulo no ano de 1974, OSGEMEOS, é como são conhecidos. Vanguarda e tradição se misturam na StreetArt brasileira e expõem bem no Centro de um Rio de Janeiro arte poderosa e vertiginosa ao alcance dos olhos abertos ao maravilhamento.
Pela primeira vez expondo dentro de um museu – havia já exposto do lado de fora do Tate Gallery, em Londres – os irmãos inauguram no Colecção Berardo em Lisboa a exposição Pra quem mora lá, o céu é lá, seleção de painéis e instalações, muitas interativas, que se espalham por duas salas e transbordam pelas ruas da capital portuguesa em um gigantesco mural feito sobre um prédio sem janelas.
Otávio e Gustavo Pandolfo são realmente gêmeos, idênticos. Aos 12 anos, munidos de spray, vidros de desodorante, hiphop, tinta de carro e daquele credo adolescente de que se é intocável em um mundo ilimitado, produziram seus primeiros traços e personagens. A referência era e ainda é a cidade, é São Paulo diluído, tocado fogo e adocicado – tudo ao mesmo tempo – dentro de duas mentes cuja compreensão mútua nos escapa, Osgemeos tinham já ali seu universo de expressão que, com velocidade, foi se tornando maduro, original e reconhecível.
Os homens amarelos - tão amarelos quanto os que a Anita Malffati pintou há quase há 100 anos – o Nordeste tornado paulistano, são a chave. Personagens do êxodo, da busca, ponte entre o desenraizamento e a criação de novos afetos culturais. Esse elemento principal é que conduz ao folclore e, por ele, às cores, ao inusitado, ao pitoresco, ao mito de origem de um país que é pobre, que dói, mas que ri.
Em 1993, pensando na possibilidade de viver do graffiti, os irmãos começaram a desenvolver trabalhos lá e aqui, decorando escritórios, publicidades e revistas. Mas o estilo latente carecia de referências para além dos metrôs e pichações urbanas. Elas vieram com o californiano Barry McGee, o Twist, que realizava um intercâmbio no Brasil e lhes apresentou o cenário mundial do grafite, técnicas e vastas possibilidades. Saíram então para sua primeira viagem pelo país, colhendo material e aprimorando e amadurecendo um estilo que se provaria único. O reconhecimento internacional não tardou e logo estavam com seus homens amarelos em Miami, Amsterdam e Londres. A exposição Vertigem, apresentada ano passado no Rio de Janeiro, me comoveu e a amigos. Os retratos de família, a fúria: ali também estava a minha história e o meu universo particular.
O público de Lisboa terá agora a oportunidade de descobrir como esses fantásticos irmãos se desenvolvem em um ambiente talvez mais formal, mais acadêmico. A Streetart chega ao século XXI consagrada em museus. Otávio e Pandolfo, gêmeos idênticos e paulistanos irão certamente provar que a arte urbana não se limita por tão pouco, é o livre espírito de nosso tempo.
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