segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Do panfleto para a web

Do panfleto para a web – breve história do material de campanha política no Brasil

 

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Ilustração de uma prensa tipográfica. Johann Gutenberg é considerado o inventor da prensa tipográfica – inspirada nas usadas para espremer uvas –, e dos tipos móveis de chumbo fundido (1450) – mais duradouros e resistentes do que os de madeira. Estas duas invenções trouxeram uma enorme versatilidade ao processo de elaboração de todo tipo de material impresso, possibilitando a sua massificação, e revolucionando a troca de informação. A Bíblia foi o primeiro livro a ser impresso e pensa-se que este processo terá demorado cerca de 5 anos. A qualidade deste sistema operacional de impressão levou-o a perdurar, quase inalterado, até 1811.

Na era contemporânea, na qual meios de comunicação ecologicamente limpos – como a televisão, o rádio e a internet – são o carro-chefe para qualquer campanha eleitoral, ver as ruas cobertas de panfletos e os postes abarrotados de cartazes não soa incoerente?

A prensa de Guttenberg é fundamental para discutirmos esta questão. Antes dela, possuir retórica, boa aparência e gesticular bem eram habilidades essenciais para ser bem-sucedido na vida pública. Com o advento, os panfletos se tornaram os principais responsáveis por disseminar ideias porque possuem a vantagem de não demandar nenhum artifício oratório. A produção em larga escala já era possível pouco tempo depois da prensa, mas, por causa do alto custo e da escassez de matéria-prima os impressos só se tornaram populares no início do século XIX.
O Brasil, por sua jovialidade pentacentenária, possui registros de veiculação em massa de informação em papel desde sua fundação como colônia e muitos deles ainda podem ser vistos em museus. Este artifício sempre esteve relacionado com a disseminação de idéias politizadas e contribuiu para a formação de opinião de civis e militares em diversas fases do governo do império até os dias atuais.

 

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Os primórdios da democracia brasileira surgiram com a proclamação da república em 1889, ainda que sob um regime militar, onde movimentos de trabalhadores, religiosos e deflagradores de problemas sociais otimizaram a produção em grande escala de panfletos para que suas filosofias e reivindicações atingissem todos os bairros e as classes econômicas de uma cidade. Tais grupos de disseminação de ideologias, mais tarde, deram origem a associações maiores, como o Partido Comunista do Brasil (PCB) e o Partido Democrático (PD), e incitaram manifestações populares como a Coluna Prestes e a Revolta da Chibata. Tudo isso, é claro, só intensificou a distribuição de material gráfico.

Em 1929, divergências políticas entre as elites dominantes enfraqueceram o poder. Foi a deixa perfeita para que grupos de democratas, representados por Getúlio Vargas, João Pessoa e Júlio Prestes iniciassem caravanas e comícios pelo país, o que resultou na primeira campanha eleitoral brasileira, e, depois, na também inédita tomada do poder pela oposição.

 

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Getúlio Vargas à direita com uniforme militar (1930)

Em meio ao chamado Estado Getulista, a Ação Integralista Brasileira - um partido influenciado pelo fascismo italiano - reivindicou o governo e pode ser considerado um dos movimentos que mais utilizou recursos estéticos para agitação popular. De capacetes verde-oliva a cartazes claramente inspirados no Uncle Sam norte-americano, o material partia para um apelo bastante intimador.

Vítima de jogos políticos, Getúlio Vargas foi forçado a renunciar em 1945. As forças militares também estavam enfraquecidas e o Supremo Tribunal Federal foi encarregado de administrar o país e confirmar a data das eleições seguintes para dali a dois meses. O interesse da população cresceu exponencialmente e houve quase três vezes mais eleitores que nas eleições anteriores. E quanto maior a participação popular, maior foi o volume de material gráfico distribuído.

O resultado foi comemorado pelo militar (mas candidato como qualquer civil) Gaspar Dutra. Venceu o pleito, porém, pouco tempo depois, foi deposto por Getúlio Vargas, que, novamente, contava com vasto apoio popular. Outra vez no poder, Vargas não conseguiu manter-se por muito tempo por conta de pressões oriundas das Forças Armadas. Terminou suicidando-se.

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Jânio Quadros com um vassoura durante a campanha eleitoral

Jingle da campanha de Jânio Quadros: ouvir.

“Viver 50 anos em 5” foi a principal proposta de Juscelino Kubitschek ao ascender ao poder nas eleições seguintes. Prometeu grande crescimento econômico e a construção da nova capital. Cumpriu, mas acabou nem se candidatando à reeleição por envolver-se com uma série de problemas administrativos e denúncias de corrupção. Em seu lugar, elegeu-se um dos maiores propagandistas da história do Brasil: Jânio Quadros. O candidato da oposição ultrapassou os limites impostos pelo marketing eleitoral da época e utilizou uma vassoura como símbolo de sua candidatura alegando que, se eleito, iria “varrer” os males da administração pública. Chegou a distribuir várias delas ao som de seu jingle. Além dos panfletos, broches de metal (que também representavam uma vassoura) também foram utilizados e mostraram o fortalecimento da campanha quando vistas nas lapelas de seus eleitores. Seu mandato foi breve: 8 meses, desistindo por conta de “forças ocultas”.

O desastroso governo de Jânio (que proibiu o uso do biquíni), foi um ótimo pretexto para o conhecido Golpe de 1964, liderado pelas Forças Armadas, que declararam a tentativa de livrar o país da corrupção, restaurar a democracia e a não-proliferação do comunismo na América Latina. Durou cerca de 20 anos, com severas opressões artísticas, filosóficas e ideológicas. Todo o material gráfico deste período não vem de campanhas eleitorais, mas da proliferação de arte politizada e manifestações de livre-pensamento, que pressionavam a volta da democracia. A produção era clandestina pois, se os censores considerassem o material subversivo, seus autores eram imediatamente taxados de comunistas e perseguidos. Se capturados, sofriam torturas ou desapareciam.

A ditadura começou a abrandar em 1985, com a volta da democracia por meio de eleições indiretas. Teve um fim formal com a implementação da nova Constituição, em 1988, que só foi impulsionada por conta de um enorme movimento social intitulado Diretas Já, no qual manifestantes saíram às ruas para clamar eleições diretas. Além do rosto, cartazes, faixas e panfletos invadiram as ruas da capital do país e o poder público acatou a decisão.

Jingle da campanha de Fernando Collor de Mello: ouvir.

As eleições diretas aconteceram em 1989 e, com ajuda de uma campanha jovial, renovadora e com apoio da imprensa, no dia primeiro de janeiro do ano seguinte, Fernando Collor de Mello tomou posse. Incentivou a abertura econômica e a modernização do país, mas deixou a inflação tomar proporções colossais. Usou-se da estratégia de reter o capital das contas bancárias para gerar solidez econômica e abrandar a crise econômica. Tal medida gerou revolta popular, o que culminou em manifestações muito densas, onde cidadãos com os rostos pintados de verde e amarelo (conhecidos como Caras-pintadas) saíram às ruas bradando pelo impeachment, que veio a acontecer. Após o termino do mandato – através de seu vice – novas eleições foram realizadas e Fernando Henrique Cardoso foi eleito e reeleito, implantando o plano real e defendendo uma política neoliberal. A esquerda liderada por Lula (originário das causas sindicais e em contínua campanha desde o restabelecimento das eleições diretas) finalmente chegou ao poder e quatro anos depois também reelegeu-se – sempre utilizando-se mais dos palanques, comícios e vídeos do que material gráfico.

Campanha de Lula para a televisão em 1989 com Gilberto Gil, Djavan e Chico Buarque

A onda do pensamento ecológico ganhou força nos últimos anos e a reciclagem de gerações promove uma constante (e radical) mudança no pensamento comum. Apostar em uma campanha nas ruas à moda antiga pode gerar conflitos com o eleitor ecologicamente engajado e resultar no oposto: a perda de votos. Por outro lado, novos meios de marketing surgem a cada dia e são cada vez mais utilizados, como e-mails, redes sociais da internet e mensagens de texto por celular, mas, até agora, não se mostraram muito eficientes. Por que, mesmo com a sujeira e a poluição visual, o impacto nas ruas ainda gera mais resultados positivos? Não se sabe ao certo, mas pesquisas indicam que militantes a favor de um partido no embate físico e pessoal são considerados mais convincentes pelo eleitor.

O cartaz é um exemplo claro disso: salvo raras exceções, o velho padrão dominante é aquele onde o nome, partido e número de um candidato aparecem sobrepostos à sua foto de busto. Ousar pode significar fugir demais ao clássico e parecer alienado, por isso, ao contrário do que acontece em campanhas publicitárias, na propaganda eleitoral a neutralidade é propositado.

Os países onde a inclusão digital é mais difundida podem antecipar o destino da campanha eleitoral no Brasil. Nas últimas eleições norte-americanas, por exemplo, Barack Obama elegeu-se utilizando artifícios muito perspicazes. Os responsáveis por sua campanha adquiriram bancos com dados de milhões de pessoas e, ao analisar o perfil de cada uma, selecionaram os simpatizantes dos Democratas (partido pelo qual Obama se elegeu) e separaram-nos em grupos aparentemente parecidos, para enviar-lhes uma espécie de newsletter que incluiria apenas propostas relacionadas a seus interesses pessoais. Uma pessoa com um membro de sua família combatendo na guerra do Iraque, por exemplo, receberia um e-mail com as posições do candidato acerca do conflito. Será este intimismo personalizado e ecologicamente engajado o futuro das campanhas eleitorais também no Brasil?

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