segunda-feira, 31 de maio de 2010

Voos demasiado altos

 

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Voos demasiado altos

O rápido crescimento da economia brasileira Uma explosão de crescimento à escala da que aconteceu na China não pode ser sustentada. Mas coaduna-se com a recém-descoberta força do Brasil e vem mesmo a tempo para as eleições presidenciais.

 

Ao longo da Avenida Faria Lima, na zona comercial de São Paulo, estão a ser construídos novos arranha-céus. As vendas de computadores e de automóveis estão em alta e uma avalancha de passageiros invadiu os principais aeroportos. Entre Janeiro e Abril, o Brasil criou 962 000 novos empregos no sector da economia formal - o número mais elevado para o mesmo período, desde que os dados começaram a ser registados, em 1992. Tudo indica que, nos últimos seis meses, a economia cresceu a um ritmo anual de mais de 10%. Mesmo deixando margem para um previsível abrandamento, muitos analistas prevêem que, em 2010, o crescimento será de 7% - a taxa mais alta desde 1986.

O problema é que, embora possa estar a crescer à velocidade chinesa, o Brasil não é a China. Ainda poupa e investe demasiado pouco e, por isso, a maioria dos economistas considera que o Brasil está limitado a uma velocidade máxima de 5% ou sofrerá um colapso. A expansão de crescimento resulta em parte de medidas de incentivo adoptadas pelo Governo do Presidente Lula da Silva, quando a crise financeira mundial mergulhou o país na recessão por um breve período, em 2008. A dificuldade, dizem os críticos, é que boa parte da despesa extraordinária do Governo está a revelar-se permanente - e, assim, a economia começa a assemelhar-se a um Toyota com o acelerador a fundo.

A pressão começa a fazer-se sentir. As empresas correm atrás da pouca mão-de-obra qualificada existente. Nos últimos 12 meses, até Abril, a inflação chegou aos 5,3%, acima da meta dos 4,5% estabelecida pelo Banco Central. Pela primeira vez desde 2000, as importações deverão ultrapassar as exportações e o défice da balança corrente deverá aumentar para 3% do PIB. As autoridades começam a ficar preocupadas. No mês passado, o Banco Central aumentou em 0,75% a taxa de juro de referência Selic [a taxa básica utilizada como referência pela política monetária] - o primeiro aumento em quase dois anos. Em São Paulo, muitos economistas acreditam que, depois do primeiro aumento, outros virão, o que deverá fazer subir a taxa do nível de 8,76% para 13%, no próximo ano.

Os críticos do Governo dizem que a política orçamental pouco rigorosa está a tornar mais difícil a tarefa do Banco Central, o que faz aumentar o risco de o boom resvalar para um abrandamento brusco, no próximo ano. Quando assumiu o cargo de Presidente, Lula manteve a política orçamental sólida que herdou do seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso. Graças a um crescimento mais rápido e a receitas fiscais mais elevadas, entre 2003 e 2008, o Governo de Lula conseguiu manter a dívida pública sob controlo, ao mesmo tempo que aumentava a despesa. Ao abordar a recessão como "uma licença para gastar", o Governo está agora a enfraquecer a credibilidade que tinha acumulado, diz o especialista em finanças públicas de Brasília, Raul Velloso. Alguns altos funcionários partilham esta preocupação - até certo ponto. O Governo aboliu quase todas as reduções de impostos que tinha posto em prática, para incentivar a procura durante a recessão. Em 13 de Maio, os ministros declararam que, este ano, iam cortar 10 mil milhões de reais (mais de 4360 milhões de euros) de despesas operacionais do Governo federal. Este anúncio seguiu-se a um anúncio semelhante, feito em Março, de outro corte de 21 mil milhões de reais (mais de 9 mil milhões de euros). No entanto, não se pode dizer que isto seja meter travões a fundo. Os cortes afectam o orçamento magnânimo (e teórico) aprovado pelo Congresso. Mesmo que integralmente aplicados, iriam apenas abrandar a taxa de aumento das despesas governamentais, mantendo-a constante ou ligeiramente mais baixa em termos de percentagem do PIB, admite Nelson Barbosa, um alto funcionário do Ministério da Fazenda [secretário de Acompanhamento Económico].

O Governo continua a injectar dinheiro na economia, de duas maneiras polémicas. Em primeiro lugar, o Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES), cujos empréstimos têm custos de quase metade da taxa Selic, quase duplicou o número de empréstimos concedidos. E pôde fazê-lo, porque o Tesouro lhe concedeu dois empréstimos a longo prazo, no total de 180 mil milhões de reais. Esses créditos, sobre os quais o BNDES emitiu notas promissórias, provocaram acusações de "contabilidade criativa". Tais empréstimos aumentaram a dívida bruta do Governo sem no entanto fazerem subir a figura da dívida pública, que é escrutinada mais atentamente, depois de deduzidos os activos: situada nos 42,7% do PIB, esta voltou ao nível de meados de 2008 e é muito inferior aos fardos da dívida dos países europeus.

Em segundo lugar, o Governo também aumentou a despesa com salários. O número de funcionários públicos federais tem aumentado com grande moderação desde 2003 (à volta de 10%). No entanto, esses funcionários têm sido tratados com generosidade: entre 2003 e 2009, o total da folha de salários federal mais do que duplicou em termos nominais, embora a inflação fosse inferior a 50%. Lula também aumentou o salário mínimo muito acima da inflação, o que ajudou a tornar a distribuição de rendimentos menos distorcida e impulsionou a procura dos consumidores. Mas estes aumentos têm um efeito indirecto sobre as pensões de reforma. Nelson Barbosa insiste em que um crescimento mais rápido irá permitir ao Governo conter suavemente a despesa com os salários e com as pensões de reforma. O BNDES ajudou a sustentar o investimento, quando os mercados financeiros ficaram bloqueados. A última onda de tempestade financeira conduziu à depreciação do real em cerca de 5%, este mês. No entanto, as reservas internacionais acumuladas pelo Brasil significam que o país está em boa posição para fazer frente ao pânico dos mercados. Nelson Barbosa diz que os críticos deveriam analisar a tendência a longo prazo, no quadro da qual a taxa de juro real (ou seja, após inflação) caiu de 20%, em 2003, para entre 5% e 10%. Quando terminar a nova contracção monetária, a taxa descerá ainda mais, afirma.

Muitos europeus gostariam, sem dúvida, de ter os problemas do Brasil, cuja economia adquiriu uma força latente. As empresas esforçam-se por satisfazer a procura de bens de consumo por parte de uma classe média em rápida expansão, e a China continua a absorver as exportações brasileiras de matérias-primas. A produtividade está a aumentar. Os custos por unidade de trabalho estão a aumentar apenas a um ritmo que é metade da taxa de aumento dos salários reais, considera o consultor e antigo funcionário das finanças José Roberto Mendonça de Barros.

Mas os preços dos produtos de base estão a decair. O crescimento rápido ficaria mais bem garantido se o Governo criasse margem para taxas de juro mais baixas e disponibilizasse melhores infra-estruturas. O próximo Presidente, a eleger em Outubro, irá ter de enfrentar esta questão. Os excelentes resultados da economia no início deste ano, um ano eleitoral, aumentaram a possibilidade de ser a candidata de Lula, Dilma Rousseff, a ter oportunidade de o fazer.

(c)2010 The Economist Newspaper Limited. Todos os direitos reservados. Em The Economist, traduzido por

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