sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Carneval of Venice

ORVALHO DO DIA

Hoje acordei brincando
com as estrelas da minha alma
Busquei o sol em um riso iluminado
Colhi o perfume das rosas enquanto
o vento dançava ao meu redor
em um balé sagrado.

Bebi o orvalho do dia
Como se fosse poesia.

Arnalda Rabelo
Mistério

Teu corpo veio a mim. Donde viera?
Que flor? Que fruto? Pétala indecisa...
Rima suave: Outono ou Primavera?
Teu corpo veio como vem a brisa...

Rosa de Maio, encastoada em luto:
O dos meus olhos e o do meu cabelo.
Um quarto para as onze! E esse minuto
Ai! nunca, nunca mais pude esquecê-lo!

Viu-se, primeiro, o rosto e o ombro, depois.
E a mão subiu das ancas para o peito...
— Quem és? Sou teu... (Quando um e um são dois,
Dois podem ser um só cristal perfeito!)

Um quarto para as onze! Caiu neve?
Abri os olhos! Era quase dia...
Ou bater de asas, cada vez mais leve,
De pássaro na sombra que fugia?

Pedro Homem de Mello, in "Nós Portugueses Somos Castos"



Últimas Vontades

Na branca praia, hoje deserta e fria,
De que se gosta mais do que de gente,
Na branca praia, onde te vi um dia
Para sonhar, já tarde, eternamente,

Achei (ia jurá-lo!) à nossa espera,
Intacto o rasto dos antigos passos,
Aquela praia, inamovível, era
Espelho de pés leves, depois lassos!

E doravante, imploro, em testamento,
Que, nesta areia, a espuma seja a tiara
Do meu cadáver, preso ao teu e ao vento...

— Vaivém sexual, que o mar lega aos defuntos? —
Se em vida, agora, tudo nos separa
Ó meu amor, apodreçamos juntos!

Pedro Homem de Mello, in "Ecce Homo"

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010





A pálida luz da manhã de inverno,
O cais e a razão
Não dão mais 'sperança, nem menos 'sperança sequer,
Ao meu coração.
O que tem que ser
Será, quer eu queira que seja ou que não.

Expressando Sentimentos

Expressando Sentimentos


"Hoje o vento é quente...
Chega do Norte ou do Sul
Explorando em mim os sentimentos.

Aqueles que brotam da alma,
Aqueles econômicos de dor,
Aqueles que exalam amor,
Aqueles que falam de ti.

Sentimentos que
não se plagia,
De um coração que
já sofreu um dia,
Onde agora em emoções,
realidade ou fantasia.

Escrevo esta poesia em versos,
De quem vai me ler um dia
Mesmo que de mim,
Nada compreenda.

Serei sempre o verso inverso,
Na alma e na poesia,
Expressando cada sentimento
Em folhas já amareladas
Que voam no vento,
Levando amor a todo o universo."

(Vania Staggemeier)

SAUDADE

Saudade já saudade
antes saudade
amor de te não ver
porque pressinto
se sinto que te ter
é não saber
distância já agora
e que não minto
Amor de que me calo
e te não digo
amor já saudade
já instinto.


Maria Teresa Horta

Escuta, escuta: tenho ainda
uma coisa a dizer.
Não é importante, eu sei, não vai
salvar o mundo, não mudará
a vida de ninguém - mas quem
é hoje capaz de salvar o mundo
ou apenas mudar o sentido
da vida de alguém?
Escuta-me, não te demoro.
É coisa pouca, como a chuvinha
que vem vindo devagar.
São três, quatro palavras, pouco
mais. Palavras que te quero confiar,
para que não se extinga o seu lume,
o seu lume breve.
Palavras que muito amei,
que talvez ame ainda.
Elas são a casa, o sal da língua.


(Eugénio de Andrade)


Delírio
No parque morno, um perfumista oculto
ordenha heliotrópios…
Deixa aberta a janela…
Minhas mãos sabem de cor o teu corpo,
e a alcova é morna…
Apaguemos a luz…
Não sentes na tua boca
um gosto de papoulas?…
Passa o lenço de seda de tuas mãos
sobre minha fronte,
e não me digas nada:
a febre está, baixinho, ao meu ouvido,
falando de ti….

Guimarães Rosa




Que me deixem passar - eis o que peço
diante da porta ou diante do caminho.
E que ninguém me siga na passagem.
Não tenho companheiros de viagem
nem quero que ninguém fique ao meu lado.
Para passar, exijo estar sozinho,
somente de mim mesmo acompanhado.
Mas caso me proíbam de passar
por ser eu diferente ou indesejado
mesmo assim passarei.
Inventarei a porta e o caminho.
E passarei sozinho.

Lêdo Ivo, em "O Rumor da Noite"


quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Beach House - Heart of Chambers


A cidade é um chão de palavras pisadas

A cidade é um chão de palavras pisadas
a palavra criança a palavra segredo.
A cidade é um céu de palavras paradas
a palavra distância e a palavra medo.

A cidade é um saco um pulmão que respira
pela palavra água pela palavra brisa
A cidade é um poro um corpo que transpira
pela palavra sangue pela palavra ira.

A cidade tem praças de palavras abertas
como estátuas mandadas apear.
A cidade tem ruas de palavras desertas
como jardins mandados arrancar.

A palavra sarcasmo é uma rosa rubra.
A palavra silêncio é uma rosa chá.
Não há céu de palavras que a cidade não cubra
não há rua de sons que a palavra não corra
à procura da sombra de uma luz que não há.

José Carlos Ary dos Santos

MUNFORD AND SONS

Cuidando-te

"Não batas à porta,
Entra mansamente,
Guarda qualquer receio
Não feches os olhos

Caminha sem pressa,
Meus passos te velam,
Escuta a sinfonia,
Que da lua anuncia.

Esquece a dor pungente,
Desenhada em teu coração,
Transfigura tuas emoções,
Fecundando-te outra vida.

Sente a fragrância,
Que em silêncio
Beija teus sonhos
E pousa em teus olhares.

Não me procures,
Estou onde tocares,
Diluída em sensações,
Que irrompem do teu respirar."

(Nandinha Guimarães)