sábado, 20 de fevereiro de 2010

PARA TI

Por que foges e retornas,
Lânguido e louco de amor em ti,
Quem tu és de onde surgiste
Para amar-me e depois fugir.

Que paixão abrasa tua alma
Se o que sentes sempre foi fugaz,
Com que direito quer trazer-me presa
Se de amor não me queres nem te apraz.

Por que foges das verdades sentidas
Se o teu desejo sempre foi maior,
Tem-se no corpo a minha alma apreendida
Qual sentimento afoga para se sentir melhor.

Levas à vida mentindo para si mesmo,
Brindas uma felicidade que jamais sentiu
Deitas com uma mulher que nunca lhe serviu.

MÁRCIA ROCHA
20/02/2010


por Louis Aragon


Nada é tão precárias
Nada como ser um passageiro
É apenas como o gelo derrete
E o vento a luz
Eu venho quando estou no estrangeiro
Um dia você passar a fronteira
Quando você vem, mas onde está indo
Amanhã matéria e matéria ontem
As alterações cardíacas com cardo
Tudo é sem pé nem perdão
Passe o dedo lá em sua testa
Da criança dos seus olhos
Melhor deixar as luzes mais baixo
A noite mais longa que será melhor
Este é o grande dia está ficando velho
As árvores são bonitas no Outono
Mas a criança que se tornou
Eu olho e me pergunto
Este viajante desconhecido
De seu rosto e pés descalços
Aos poucos, você faz silêncio
Mas não rápido o suficiente ainda
Para sentir a sua dissimilaridade
E em si mesmo de outrora
A poeira do tempo
É tempo de envelhecimento, em última instância
A areia desliza entre os dedos
É como um aumento de água fria
É como uma vergonha que cresce
Um couro gritando que surra
Durante muito tempo foi uma coisa de homem
É tempo de renunciar a qualquer
E você sente a metamorfose
Quem são os dentro de nós
Lentamente, dobre os joelhos
O mar O mar profundo amargo
Qual é o seu tempo de marés
Quantos anos-segundo
Um homem para homem abjurar
Por que razão o alarido
Nada é tão precárias
Nada como ser um passageiro
É apenas como o gelo derrete
E o vento a luz
Eu venho quando estou no estrangeiro



sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010


Amor sem tréguas
António Gedeão - Poemas


"É necessário amar,
qualquer coisa ou alguém;
o que interessa é gostar
não importa de quem.


Não importa de quem,
não importa de quê;
o que interessa é amar
mesmo o que não se vê.


Pode ser uma mulher,
uma pedra, uma flor,
uma coisa qualquer,
seja lá o que for.


Pode até nem ser nada
que em ser se concretize,
coisa apenas pensada,
que a sonhar se precise.


Amar por claridade,
sem dever a cumprir;
uma oportunidade
para olhar e sorrir.


Amar como um homem forte
só ele o sabe e pode-o;
amar até à morte,
amar até ao ódio.


Que o ódio, infelizmente,
quando o clima é de horror,
é forma inteligente
de se morrer de amor. "

António Gedeão, in Máquina de Fogo

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010


Casimiro de abreu

Violeta

Sempre teu lábio severo
Me chama de borboleta!
- Se eu deixo as rosas do prado
É só por ti - violeta!

Tu és formosa e modesta,
As outras são tão vaidosas!
Embora vivas na sombra
Amo-te mais do que às rosas.

A borboleta travessa
Vive de sol e de flores.
- Eu quero o sol de teus olhos,
O néctar dos teus amores!

Cativo de teu perfume
Não mais serei borboleta;
- Deixa eu dormir no teu seio,
Dá-me o teu mel - violeta!

O RIBEIRÃO DA MINHA INFÂNCIA

Não o reencontro.
Nem o reencontrarei
o ribeirão da minha infância.
Sua morte foi decreto público
de morte inteira.
De evitar qualquer vestígio.
Não teve prestígio.
Não tinha bandeira.

Nunca o fotografei.
Mas guardei-o em mim.
Nunca foi cartão-postal.
Mas é passaporte de saudade.

O ribeirão dorme
sob entulho,
num embrulho de crueldade.
Dorme sob a assinaturado
do decreto.
No esquecimento geral dorme
e dorme na minha inútil lembrança.

Nada o fará ressuscitar.
Riem de minhas perguntas,
caçoam do meu poema,
me apontam na rua,
me nomeiam entre os animais irracionais.

Não à minha frente
em seus disfarces de lobo e raposa.
Não em meus olhos
com seus olhos de enguia.

Mas em festas de família,sim.
E sobretudo aos sussuros,sim.
Ali dizem o que pensam
e se contorcem de rir até as lágrimas.

Lindolf Bell


In O Código das Águas
Aliança

Por tudo quanto sei, mas não sabia,
(Feliz de quem um dia ainda o souber!)
Por essa estrela branca em noite fria!
Anunciação, talvez, de poesia...
Por ti, minha mulher!

Por esse homem que sou, mas que não era,
Vendo na morte a vida que vier!
Por teu sorriso em minha vida austera.
Anunciação, talvez de Primavera...
Por ti, minha mulher!

Pelo caminho humano a que vieste
Com fé no amor. — Seja o que Deus quiser!
Por certa fonte abrindo a rocha agreste...
Por esse filho loiro que me deste!
Por ti, minha mulher!

Pelo perdão que espalho aos quatro ventos,
De antemão cego ao mal que me trouxer
Despeitos surdos, pérfidos momentos;
Pelos teus passos, junto aos meus, mais lentos...
Por ti, minha mulher!

Nada mais digo. Nada. Que não posso!
Mas dirá mais do que eu quem não disser
Como eu?: — Avé-Maria... Padre-Nosso...
Por tudo quanto é meu (e que é tão nosso!)
Por ti, minha mulher!

Pedro Homem de Mello, in "Adeus"




Dinheiro

Quem quiser ter filhos que doire primeiro
A jarra onde, inteira, caiba alguma flor!
Ai dos que têm filhos, mas não têm herdeiro!
— Dinheiro! Dinheiro!
Ó canção de Amor!

As noivas sorriem, talvez, aos vinte anos.
Os amantes sonham... Sonho passageiro!
Música de estrelas: Ética de enganos;
Ilusões, perdidas depois dos vinte anos..
E logo outras nascem: Dinheiro! Dinheiro!

Teus pais, teus irmãos e tua mulher
Cercarão teu leito de herói derradeiro
(Ai de quem, ouvindo-os, nada lhes trouxer!)
E hão-de ali pedir-te o que o mundo quer:
— Dinheiro! Dinheiro!

Deixa-lhes os versos que um dia fizeste,
Amarrado ao lodo, porém verdadeiro.
E eles te dirão: — Pássaro celeste,
Morreste? Morrendo, que bem que fizeste!

Ó canção de amor!
Dinheiro! Dinheiro!

Pedro Homem de Mello, in "Os Amigos Infelizes"






quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Canção Amarga

Que importa o gesto não ser bem
o gesto grácil que terias?
— Importa amar, sem ver a quem...
Ser mau ou bom, conforme os dias.

Agora, tu, só entrevista,
quantas imagens me trouxeste!
Mas é preciso que eu resista
e não acorde um sonho agreste.

Que passes tu! Por mim, bem sei
que hei-de aceitar o que vier,
pois tarde ou cedo deverei
de sonho e pasmo apodrecer.

Que importa o gesto não ser bem
o gesto grácil que terias?
— Importa amar, sem ver a quem...
Ser infeliz, todos os dias!

David Mourão-Ferreira, in "A Secreta Viagem"





domingo, 14 de fevereiro de 2010


Cartas de Amor
Para comemorar este dia de S. Valentim nada melhor que um poema de amor de um dos heterónimos de Fernando Pessoa: Álvaro de Campos.

Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.

Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.

As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.

Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.

Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.

A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.

(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas.)


Fernando Pessoa começa dizendo que as cartas de amor são ridículas, só o facto de serem cartas de amor é ridículo, mas, no fundo, ridículo é quem nunca escreveu cartas de amor, quem nunca amou... ridiculamente.