quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Espera-me?


Quando a noite chegar
sem pressa
adormeça sereno

Sinta gotas de mim
a fragrância singela
do meu amor por ti

Perfume denso
se esparramando
desfolhando carinhos
acendendo a chama
colorindo de aromas
seus desejos

Espera-me nos teus sonhos?

(Van Albuquerque)

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Na minha próxima vida quero vivê-la de trás pra frente.
Começar morto para despachar logo esse assunto.
Depois acordar num lar de idosos e ir-me sentindo melhor a cada dia que passa.
Ser expulso porque estou demasiado saudável, ir receber a aposentadoria e começar a trabalhar, recebendo logo um relógio de ouro no primeiro dia.
Trabalhar por 40 anos, cada vez mais desenvolto e saudável até ser jovem o suficiente para entrar na faculdade, embebedar-me diariamente e ser bastante promíscuo e depois estar pronto para o secundário e para o primário, antes de virar criança e só brincar, sem responsabilidades.
Aí viro um bebê inocente até nascer.
Por fim, passo 9 meses flutuando num spa de luxo com aquecimento central, serviço de quarto à disposição e
espaço maior dia a dia e, depois...
Viva! Desapareço num orgasmo.
(Woody Allen)



sábado, 19 de dezembro de 2009

Quero ser uma ilha,
um pouco de paisagem,
uma janela aberta,
uma montanha ao longe,
um aceno de mar.
.
Quando precisares de sonho,
de um canto de beleza,
de um pouco de silêncio,
ou simplesmente
de sol... e de ar...
.
Quero ser o lado bom
em que pensas,
isto que intimamente
a gente deseja
mas nem sempre diz
- quero ser, naquela hora,
o que sentes falta
para seres feliz...
.
Que quando pensares
em fugir de todos
ou de ti mesma, enfim,
penses em mim...
.
J. G. de Araújo Jorge

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Cisne

Amei-te? Sim. Doidamente!
Amei-te com esse amor
Que traz vida e foi doente...

À beira de ti, as horas
Não eram horas: paravam.
E, longe de ti, o tempo
Era tempo, infelizmente...

Ai! esse amor que traz vida,
Cor, saúde... e foi doente!

Porém, voltavas e, então,
Os cardos davam camélias,
Os alecrins, açucenas,
As aves, brancos lilases,
E as ruas, todas morenas,
Eram tapetes de flores
Onde havia musgo, apenas...

E, enquanto subia a Lua,
Nas asas do vento brando,
O meu sangue ia passando
Da minha mão para a tua!

Por que te amei?
— Ninguém sabe
A causa daquele amor
Que traz vida e foi doente.

Talvez viesse da terra,
Quando a terra lembra a carne.
Talvez viesse da carne
Quando a carne lembra a alma!
Talvez viesse da noite
Quando a noite lembra o dia.

— Talvez viesse de mim.
E da minha poesia...

Pedro Homem de Mello, in "Adeus"

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

SAUDADE

Saudade de tudo!...

Saudade, essencial e orgânica,
de horas passadas
que eu podia viver e não vivi!...
Saudade de gente que não conheço,
de amigos nascidos noutras terras,
de almas órfas e irmãs,
de minha gente dispersa,
que talvez ainha hoje espere por mim...

Saudade triste do passado,
saudade gloriosa do futuro,
saudade de todos os presentes
vividos fora de mim!...

Pressa!...
Ânsia voraz de me fazer em muitos,
fome angustiosa da fusão de tudo,
sede da volta final
da grande experiência:
uma só alma em um só corpo,
uma só alma-corpo,
um só,
um!...
Como quem fecha numa gota
o Oceano,
afogado no fundo de si mesmo...

GUIMARÃES ROSA

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

AHHH

Que Graça teria a vida
Se não houvesse a poesia?
Nascer, viver, morrer,
Misturar-se à terra fria,
Tornar-se um Fisico, um Quimico,
Um Doutor em Pediatria,
Um Pós-graduado em Farmácia,
Um Professor de Biologia,
Our concour em Matemática,
Um Mestre em Fisioterapia,
Que graça, me diz, que graça
Se não houvesse a poesia?
Ganhar bastante dinheiro,
Trabalhar dia após dia,
Fazer amigos, casar-se,
Ver aumentar a familia,
Viajar o mundo inteiro
Numa imensa romaria:
Ir do Rio à Nova Iorque,
De Nova Iorque à Bahia,
Da Bahia ao Himalaia,
Do Himalaia à Hungria,
Da Hungria à Machu Picchu,
De Machu Picchu à Turquia,
Da Turquia até Passargada,
De Passargada à Utopia,
De Utopia à Montes Claros,
Dali à Santa Maria,
Aprender mil idiomas,
Mil costumes, mil manias,
Conhecer gentes e modas
Saber de Reis e Rainhas,
Fotografar paisagens
Que jamais ninguém havia...
Trazer o mundo no bolso...
Mas que graça isso teria
Sem a graça de poder
Rimar cotia com tia,
Ler um verso de Quintana,
Ter Castro Alves como guia,
Carlos Drummond como amigo,
Ferreira como companhia,
Chico Buarque como Mestre,
Vinicius como Sinfonia,
Bandeira como delirio,
Pessoa como terapia,
Mário de Andrade como ouro,
Gulherme de Almeida como prataria,

Augusto dos Anjos como astro,
Cecilia como maravilha...
Que graça teria a vida
Se a vida tivesse tudo
Mas caminhasse esquecida
Da poesia?
DA
Romance de Dubrovnik

São estas casas de cinza
De cinza petrificada
É como se aqui a vida
tivesse jogado às cartas
e só a morte saíra
ganhando em cada jogada
É esta rua comprida
mas que se chama Platza
(embora em eslava grafia
se escreva apenas Placa)
e que na Ragusa antiga
já dois mundos separava
De um lado terra latina
e do outro terra bárbara
São as verdes gelosias
são as muralhas douradas
a segredarem que a vida
se inda quisesse ganhava
É agora ao meio-dia
a Porta Pile empilhada
E são cachos de turistas
trepando pelas muralhas
tirando fotografias
contudo não vendo nada
São fileiras de boutiques
São cafés sob as arcadas
É tudo a fingir que a vida
não se dá por derrotada
É no porto a maresia
quando mais avança a tarde
incrustada em cada esquina
suspensa de cada iate
Mas das naves bizantinas
é que ela sente saudades
e das galeras esguias
que Veneza lhe enviava
se bem que tal nostalgia
inda hoje a sobressalte
Nenhum sabor tem a vida
se a morte a não acicata
E são argolas vazias
as que há no porto à entrada
e de onde outrora pendiam
correntes sempre de guarda
Quem aliás adivinha
as marítimas estradas
que deste porto saíam
que neste nó se cruzavam
Com certeza agora vivem
na tinta azul de outros mapas
Ou permanecem cativas
Ou ficaram bloqueadas
São em redor tantas ilhas
tanta rocha tanta escarpa
tantas flutuantes ravinas
Mas quando a noite se abate
não são mais do que faíscas
no mar de prata lavrada
E já a Lua surgia
na sua rica dalmática
Nem mais a preceito vinha
do que no céu da Dalmácia
Será que o fulgor da vida
vem da morte iluminada
Subo ao monte Zarkovica
(Na língua serbo-croata
deve ler-se Djarkovitza)
e à sombra desta latada
bebo um copo de mastika
olho de novo a cidade
Ó memória empedernida
de uma divina morada
Ó ferradura de cinza
de algum cavalo com asas
Ó mediterrânea figa
mais propriamente adriática
que foi feita por Posídon
e no litoral deixada
O que a morte à vida ensina
através dos deuses passa
Mas não é só nas ruínas
que fica a sua pegada


David Mourão-Ferreira, in "Obra Poética 1948-1988"

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

"É preciso andar num sonho
e sentir a realidade,
além da própria imaginação
e do pulsar do coração.
Parar por instantes refletir
e ver que a vida continua a passar.
É a realidade banhada de amor
coberta de sonhos,
enternecida de felicidade.
Isso é ter a certeza de que
você ainda pode e deve
ir em busca de seus sonhos
para que se tornem realidade.”


(Ana Carolina


Minha ousadia
meu galope
minha rédea
meu potro doido
minha chama
minha réstia
de luz intensa
de voz aberta
minha denúncia do que pensa
do que sente a gente certa.

Em ti respiro
em ti eu provo
por ti consigo
esta força que de novo
em ti persigo
em ti percorro
cavalo à solta
pela margem do teu corpo.

Minha alegria
minha amargura
minha coragem de correr contra a ternura.

Por isso digo
canção castigo
amêndoa travo corpo alma amante amigo
por isso canto
por isso digo
alpendre casa cama arca do meu trigo.

Meu desafio
minha aventura
minha coragem de correr contra a ternura.

José Carlos Ary dos Santos

domingo, 13 de dezembro de 2009

Dava a última camisa por um poema

Dava a última camisa por um poema.
Domingo ao fim da tarde só restam cinzas.
Todos. Tudo inteiramente consumido. Tudo, o quê?
Segunda, sobrava alguma palavra intacta na lareira?

Terça
tão comprida como um ano

Quarta, outra vez a esperança
Não, sem poema não se pode viver!

Quinta a memória entra em pânico
A pouca claridade que restava anoiteceu

também na sexta as vagonetas com o meu minério
perdem-se no túnel.

Sábado:
trabalho em vão!
Domingo tudo recomeça e voltava a dar
a última camisa por um poema

Ján Kostra

sábado, 12 de dezembro de 2009


ALGO ETERNO...


Tudo na vida não passa de um momento
Acabam-se todos os tempos
Tem o tempo da alegria e da dor
do romance e do amor
da entrega e da fuga.
Todo tempo desnuda
um pouco do que somos
ou o muito do que não fomos.
Todo tempo tem sua hora marcada pra terminar.


Todo e qualquer tempo do mundo
cabe dentro de um único segundo
mesmo que pareça durar uma eternidade.
Todo tempo bem vivido deixa saudade
e os que fizeram sofrer
transformam-se num longa metragem
que, vez por outra, insistimos em rever.


Tenho cá minhas dúvidas
se realmente algum dia existiu
algo, alguém ou algum momento
que tornou-se eterno e nunca partiu.


*SILVANA DUBOC*
Quando a borboleta coroou a flor amarela
os lírios , em ângulo reto com seus caules,
fizeram uma profunda saudação...

João Guimarães Rosa

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Delírio

No parque mesmo, um perfumista oculto
ordenha heliotrópios...
Deixa aberta a janela...

Minhas mãos sabem de cor o teu corpo,
e a alcova é morna...
Apaguemos a luz...

Não sentes na tua boca
um gosto de papoulas?

Passa o lenço de sede de tuas mãos
sobre minha fronte,
e não me digas nada:
a febre está, baixinho, ao meu ouvido,
falando de ti...

Guimarães Rosa

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Sensações...

Quando minha alma encontrou a sua,
todas as minhas emoções contidas
e sensações até então reprimidas,
foram vividas e sentidas com você...

Quando minha vida encontrou a sua,
se fez mágica a minha existencia...
Descobri o amor em sua essencia,
saciei em você minhas vontades!

Quando te toquei, te beijei, te senti,
me entreguei de uma forma plena
a esse amor que vi nascer em mim!

Se os deuses dissessem sim ou não,
mesmo assim amor, te guardaria
infindavelmente dentro de mim...

(Renata Mangeon)


FORMOSO É O FOGO

Formoso é o fogo e o rosto
da amada junto a ele.
No lume de seu corpo
tudo em redor clareia.

Depois o que era fogo,
é espuma que se alteia.
E o mundo se faz novo
nas curvas da centelha.

Já não existe esboço,
mas desenhos, e teimam
— unos e justapostos.

Já não existe corpo:
são almas que se queimam
no amor de um mesmo sopro.

CARLOS NEJAR


segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

'VIGILÂNCIA'

A estrela que nasceu trouxe um presságio triste:
inclinou-se o meu rosto e chorou minha fronte:
que é dos barcos do meu horizonte?

Se eu dormir, aonde irão esses errantes barcos,
dentro dos quais o destino carrega
almas de angústia demorada e cega?

E como adormecer nesta Ilha em sobressalto,
se o perigo do mar no meu sangue se agita,
e eu sou, por quem navega, a eternamente aflita?

E que deus me dará força tão poderosa
para assim resistir todas a vida desperta
e com os deuses conter a tempestade certa?

A estrela que nasceu tinha tanta beleza
que voluntariamente a elegeu minha sorte.
Mas a beleza é o outro perfil do sofrimento,
e só merece a vida o que é senhor da morte.


Cecília Meireles
In Mar Absoluto e Outros Poemas (1945)

Violoncelo

Chorai arcadas
Do violoncelo!
Convulsionadas,
Pontes aladas
De pesadelo...

De que esvoaçam,
Brancos, os arcos...
Por baixo passam,
Se despedaçam,
No rio, os barcos.

Fundas, soluçam
Caudais de choro...
Que ruínas (ouçam)!
Se se debruçam,
Que sorvedouro!...

Trémulos astros...
Soidões lacustres...
- Lemos e mastros...
E os alabastros
Dos balaústres!

Urnas quebradas!
Blocos de gelo...
- Chorai arcadas,
Despedaçadas,
Do violoncelo.

Camilo Pessanha
5º Motivo da rosa

Antes do teu olhar, não era,
nem será depois, - primavera.
Pois vivemos do que perdura,

não do que fomos. Desse acaso
do que foi visto e amado: - o prazo
do Criador na criatura...

Não sou eu, mas sim o perfume
que em ti me conserva e resume
o resto, que as horas consomem.

Mas não chores, que no meu dia,
há mais sonho e sabedoria
que nos vagos séculos do homem.

Cecília Meireles

sábado, 5 de dezembro de 2009

Marinha

Grito teu nome aos ventos.
Olha: há uma revoada marítima.
O horizonte se afasta, há um ritmo largo
de ondas que se espreguiçam.

Velas esguias,
para onde voam?

Sulcos de prata,
para onde levam?
Amiga, amiga! Ah, dize-me depressa:
Quem grita aos ventos o teu nome?
O mar, ou eu,
o grande mar que o está cantando

Emilio Moura

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Ali termina tudo
e não termina:
ali começa tudo
se despedem os rios no gelo,
o ar se há casado com a neve,
não há ruas nem cavalos
e o único edifício
o construiu a pedra.
Ninguém habita o castelo
nem as almas perdidas
que frio e vento frio
amedrontaram:
é sozinha ali a solidão do mundo,
e por isso a pedra
se fez música,
elevou suas delgadas estaturas,
se levantou para gritar ou cantar,
porém ficou muda.
Só o vento,
o açoite
do Pólo Sul que assobia,
só o vazio branco
e um som de pássaro de chuva
sobre o castelo da solidão.

Pablo Neruda

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

FIM DE INVERNO

Na verde encosta coberta de asas
já repica um azul de violetas.
Somente ao longo da floresta escura
demora a neve em línguas dentilhadas,
mas gota a gota vai-se desfazendo
atraída pela terra.
No pálido céu alto pastam alvos
rebanhos de nuvens. Um pintassilgo
em amoroso canto se desfaz:
-Homens, amai-vos e cantai em paz!

(Hermann Hesse)
Devolve

Devolve toda a tranqüilidade
Toda a felicidade
Que eu te dei e que perdi

Devolve todos os sonhos loucos
Que eu construí aos poucos
E te ofereci

Devolve, eu peço, por favor
Aquele imenso amor
Que nos teus braços esqueci

Devolve, que eu te devolvo ainda
esta saudade infinda
Que eu tenho de ti.

Mário Lago

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

O trem estacou, na manhã fria,
num lugar deserto, sem casa de estação:
a parada do Leprosário...

Um homem saltou, sem despedidas,
deixou o baú à beira da linha,
e foi andando. Ninguém lhe acenou...

Todos os passageiros olharam ao redor,
com medo de que o homem que saltara
tivesse viajado ao lado deles...

Gravado no dorso do bauzinho humilde,
não havia nome ou etiqueta de hotel:
só uma estampa de Nossa Senhora do Perpétuo
[ Socorro...

O trem se pôs logo em marcha apressada,
e no apito rouco da locomotiva
gritava o impudor de uma nota de alívio...

Eu quis chamar o homem, para lhe dar um
[ sorriso,
mas ele ia já longe, sem se voltar nunca,
como quem não tem frente, como quem só
[ tem costas...

Guimarães Rosa

Impaciência

(duas variações sobre o mesmo tema)

I

Eu queria dormir
longamente...
(um sono só...)
Para esperar assim
o divino momento que eu pressinto,
em que hás de ser minha...

Mas...
e se essa hora
não devesse chegar nunca?...
Se o tempo,
como as outras cousas todas,
te separa de mim?!...

Então...
ah! então eu gostaria
que o meu sono,
friíssimo e sem sonhos
(um sono só...)
não tivesse mais fim...

Se eu pudesse correr pelo tempo afora,
vertiginosamente,
futuro adiante,
saltando tantas horas tediosas,
vazias de ti,
e voar assim até o momento de todos os momentos,
em que hás de ser minha!...

Mas...
e se esse minuto faltar
nas areias de todas as ampulhetas?...
E se tudo fosse inútil:
a máquina de Wells,
as botas de sete léguas do Gigante?!...

Então...
ah!, então eu gostaria
de desviver para trás, dia por dia,
para parar só naquele instante,
e nele ficar, eternamente, prisioneiro...
(Tu sabes, aquele instante em que sorrias
e me fizeste chorar...)

Guimarães Rosa


terça-feira, 1 de dezembro de 2009





free counter
Soneto da saudade

Quando sentires a saudade retroar
Fecha os teus olhos e verás o meu sorriso.
Eternamente te direi a sussurrar:
O nosso amor a cada instante está mais vivo!

Quem sabe ainda vibrará em teus ouvidos
Uma voz macia a recitar muitos poemas...
E a te expressar que este amor em nós ungindo
Suportará toda distância sem problemas...

Quiçá, teus lábios sentirão um beijo leve
Como uma pluma a flutuar por sobre a neve,
Como uma gota de orvalho indo ao chão.

Lembrar-te-ás toda ternura que expressamos,
Sempre que juntos, a emoção que partilhamos...
Nem a distância apaga a chama da paixão.

Guimarães Rosa
Elegia

Teu sorriso se abriu como uma anêmona
entre as covinhas do rosto infantil.
Estavas de pijama verde,
nas almofadas verdes,
os pezinhos nus, as pernas cruzadas,
pequenina,
como um ídolo de jade
que teve por modelo uma princesa anamita.
Tuas mãos sorriam,
teus olhos sorriam,
o liso dos teus cabelos pretos sorria,
e mesmo me sorriste,
e foi a única vez...

Não pude calçar, com beijos os teus pezinhos,
e não pudeste caminhar para mim...
Mas é bem assim que os meus sonhos se possuem.

Guimarães Rosa
(1908-1967)

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Há uma hora certa,
no meio da noite, uma hora morta,
em que a água dorme.

Todas as águas dormem:
no rio, na lagoa,
no açude, no brejão, nos olhos d'água,
nos grotões fundos
E quem ficar acordado,
na barranca, a noite inteira,
há de ouvir a cachoeira
parar a queda e o choro,
que a água foi dormir...

Águas claras, barrentas, sonolentas,
todas vão cochilar.
Dormem gotas, caudais, seivas das plantas,
fios brancos, torrentes.
O orvalho sonha
nas placas da folhagem
e adormece.
Até a água fervida,
nos copos de cabeceira dos agonizantes...

Mas nem todas dormem, nessa hora
de torpor líquido e inocente.
Muitos hão de estar vigiando,
e chorando, a noite toda,
porque a água dos olhos
nunca tem sono...

Guimarães Rosa

Day That I Have Loved



Tenderly dia, que eu amei, eu fecho os olhos,
E suave sua testa calma, e dobrar o seu fino mãos mortas.
O cinzento véus de aprofundar a sua meia-luz, cor, morre.
Presto-lhe, um peso leve, ao envolta areias,

Onde está o seu barco à espera, por grinaldas do mar está fazendo
Mist-garlanded, com todas as ervas daninhas cinzento da água coroado.
Lá você vai ser estabelecidas, o medo do passado de sono ou a esperança de acordar;
E sobre o mar parado, sem som,
(..)


A curva de areias cinza antes de mim. . . .
Do interior prados,
Fragrante de junho e trevo, flutua no escuro, e preenche
Cara morto O mar oco com pouco sombras rastejando,
E o silêncio branco transborda o oco da serra.
......(..)
Silenciou todas as vozes alegres, e nós, que prendeu querida,
Leste e voltamos para casa, sozinho, lembrando-se. . .
Dia que eu amei, dia em que eu amava, a noite é aqui!

Rupert Brooke






Day That I Have Loved



Tenderly, day that I have loved, I close your eyes,
And smooth your quiet brow, and fold your thin dead hands.
The grey veils of the half-light deepen; colour dies.
I bear you, a light burden, to the shrouded sands,

Where lies your waiting boat, by wreaths of the sea's making
Mist-garlanded, with all grey weeds of the water crowned.
There you'll be laid, past fear of sleep or hope of waking;
And over the unmoving sea, without a sound,

Faint hands will row you outward, out beyond our sight,
Us with stretched arms and empty eyes on the far-gleaming
And marble sand. . . .
Beyond the shifting cold twilight,
Further than laughter goes, or tears, further than dreaming,
There'll be no port, no dawn-lit islands! But the drear
Waste darkening, and, at length, flame ultimate on the deep.
Oh, the last fire -- and you, unkissed, unfriended there!
Oh, the lone way's red ending, and we not there to weep!
(We found you pale and quiet, and strangely crowned with flowers,
Lovely and secret as a child. You came with us,
Came happily, hand in hand with the young dancing hours,
High on the downs at dawn!) Void now and tenebrous,

The grey sands curve before me. . . .
From the inland meadows,
Fragrant of June and clover, floats the dark, and fills
The hollow sea's dead face with little creeping shadows,
And the white silence brims the hollow of the hills.

Close in the nest is folded every weary wing,
Hushed all the joyful voices; and we, who held you dear,
Eastward we turn and homeward, alone, remembering . . .
Day that I loved, day that I loved, the Night is here!

Rupert Brooke


FORA DE PRUMO
.
Não quero ser
linha reta!
.
Não quero estar
no prumo.
Não quero estar
no nível.
.
Quero ser curvo!
.
Oswaldo Antônio Begiato

domingo, 29 de novembro de 2009

Realidade

Fomos longe demais, para voltar
Aos antigos canteiros onde há rosas.
Em nós, o ouvido, quase e, quase, o olhar
Buscam nas cores vozes misteriosas...

Mas o mistério é flor da juventude.
Não rima com poemas desumanos.
A idade — a nossa idade! — nunca ilude.
Só uma vez é que se tem vinte anos.

Quebrámos todos, todos os espelhos
E o sol que, neles, está hoje posto
Já não reflecte os lábios tão vermelhos
Que nos iluminam, sempre, o rosto.

Realidade? Há uma: apenas esta!
— Somos espectros na cidade em festa.

Pedro Homem de Mello, in "Eu Desci aos Infernos"

PAULA REGO

sábado, 28 de novembro de 2009

'Se as minhas mãos pudessem desfolhar'

Eu pronuncio teu nome
nas noites escuras,
quando vêm os astros
beber na lua
e dormem nas ramagens
das frondes ocultas.
E eu me sinto oco
de paixão e de música.
Louco relógio que canta
mortas horas antigas.

Eu pronuncio teu nome,
nesta noite escura,
e teu nome me soa
mais distante que nunca.
Mais distante que todas as estrelas
e mais dolente que a mansa chuva.

Amar-te-ei como então
alguma vez? Que culpa
tem meu coração?
Se a névoa se esfuma,
que outra paixão me espera?
Será tranqüila e pura?
Se meus dedos pudessem
desfolhar a lua!!

Federico Garcia Lorca
Posso ter defeitos, viver ansioso e ficar irritado algumas vezes,
mas não esqueço de que minha vida é a maior empresa do mundo.
E que posso evitar que ela vá a falência.
Ser feliz é reconhecer que vale a pena viver apesar de todos os desafios, incompreensões e períodos de crise.
Ser feliz é deixar de ser vítima dos problemas e se tornar um autor da própria história.
É atravessar desertos fora de si, mas ser capaz de encontrar
um oásis no recôndito da sua alma .
É agradecer a Deus a cada manhã pelo milagre da vida.
Ser feliz é não ter medo dos próprios sentimentos.
É saber falar de si mesmo.
É ter coragem para ouvir um 'não'.
É ter segurança para receber uma crítica, mesmo que injusta.

Pedras no caminho?
Guardo todas, um dia vou construir um castelo...

(Fernando Pessoa)



sexta-feira, 27 de novembro de 2009

"MAGIA DAS CORES"



De quando em quando um sopro divino,
Céu em cima, céu no fundo,
Mil canções canta a luz,
No multicolor Deus se fez mundo.


Branco para o preto, quente para o frio
Sentem-se sempre atraídos.
Do eterno turbilhar desse caótico rio
Filtra-se novo o arco-íris.


Pela nossa alma assim se transforma mil vezes em
tortura e encontro
A luz de Deus criada, forma
E como sol a enaltecemos.



-HERMANN HESSE-
Há sempre uma luz procurando a escuridão
onde partes de nós se misturam
e muito pouco ainda conhecemos...

Temos nosso próprio silêncio
onde nenhuma palavra se define
e cada sentimento procura seu portal...

Pouco sei dos meus segredos
e dos becos escuros e frios
onde a luz adormece em minha alma...

Nesta névoa que em mim reside
lapido meus sonhos de liberdade
onde você renasce e és minha claridade.

Edgar Radins

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Inferioridade

Quem tenta ajudar a borboleta
a sair do casulo a mata.
Quem tenta ajudar um broto
a sair da semente o destrói.
Há certas coisas que
não podem ser ajudadas.
Tem que acontecer
de dentro para fora.

(Rubem Alves)
"CASINHA PEQUENINA"

Já que decidi viver apenas de sonhos
resolvi me despir dos pudores
Deixar pra tras temores bisonhos
e viver num jardim repleto de flores.

Deixar pra tras minhas poucas verdades
esquecer de tudo que me faz mal
Não me importar com rancores e saudades
E viver sempre de bom astral

Minha casa terá janelas sempre abertas
Terá também muita cor e alegria
No jardim plantarei muitas rosas amarelas
e portas escancaradas pela luz do dia.

No quintal um velho carvalho
Muitas rosas e borboletas no jardim
Lá longe um pôr de sol dourado
Paredes com poemas pintados em nankim.

E nesse mundo mágico juro que vou viver
tirar meus pés do chão...voar na imaginação
As barreiras do impossível quero vencer
E morar numa casinha do tamanho de um botão.

Serena.






Sobre as memórias


"Alma" é o nome do lugar onde se encontram esses pedaços
perdidos de nós mesmos. São partes do nosso corpo, como
as pernas, os braços, o coração. Circulam em nosso sangue,
estão misturadas com os nossos músculos.Quando elas
aparecem o corpo se comove, ri, chora...

Para que servem elas? Para nada. Não são ferramentas.
Não podem ser usadas. São inúteis. Elas aparecem por causa
da saudade. A alma é movida à saudade. A alma não tem o
menor interesse no futuro. A saudade é uma coisa que fica
andando pelo tempo passado à procura de pedaços de nós
mesmos que se perdem"

Rubem Alves

quarta-feira, 25 de novembro de 2009









PAULA REGO


PAULA REGO




OS MESTRES
Entendi que se conhece um ser humano pela doçura da voz,
Pelos pequenos gestos na simplicidade de ser.
O poder nas mãos de um sábio o torna um aprendiz,
O poder faz despertar fantasmas que estão
Escondidos debaixo do manto da humildade.
Aprendi que um mestre pode ser o mais intrigante ser,
Pode ele estar vestido de mendigo, ou usando uma mascara.
E ser um professor que ensina algo distante da sua realidade.
Porque o mestre não precisa de reconhecimento
Ele prefere o silêncio da sua passagem...
A muitos mestres entre nós...
A palavra colhida na hora certa
A atitude definida no momento certo
Ser um sonhador te faz aluno de uma longa estrada nu...

Adriana Leal
Origa Shine- My Star
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Estrelas

Encosta a cabeça
a estas nuvens
acariciadoras
em seguida
dorme
deixa a tua melancolia opaca
de planeta
bailar na praça do sonho.
Deixa as estrelas desta noite
serem só
o antigo
cântico dos bosques
e os teus versos
os rios
que atrás ficaram a brilhar.

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terça-feira, 24 de novembro de 2009

Segue o Teu Destino


Segue o teu destino,
Rega as tuas plantas,
Ama as tuas rosas.
O resto é a sombra
De árvores alheias.

A realidade
Sempre é mais ou menos
Do que nós queremos.
Só nós somos sempre
Iguais a nós-próprios.

Suave é viver só.
Grande e nobre é sempre
Viver simplesmente.
Deixa a dor nas aras
Como ex-voto aos deuses.

Vê de longe a vida.
Nunca a interrogues.
Ela nada pode
Dizer-te. A resposta
Está além dos deuses.

Mas serenamente
Imita o Olimpo
No teu coração.
Os deuses são deuses
Porque não se pensam.


Ricardo Reis
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O tempo o homem

A Roberto La Rocque Soares



O tempo faz o homem que faz o tempo
Faz tempo
O homem que constrói o tempo
Que destrói o homem
Só a Era faz-se
Heras destruindo o tempo o homem
a casa
velhas paredes
azulejos
limo
A Ampulheta: o testemunho, a arte
Os ciclos, os séculos
A hera decora o muro
O tempo decora o homem
que colora o tempo
descolora
Só o artista faz a Hora

Max Martins

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Ninguém envelhece apenas por viver um certo número de anos.
As pessoas envelhecem por abandonarem os seus ideais.
Os anos fazem rugas na pele.
Desistir do entusiasmo, porém, faz rugas na alma.
(Rhada Soami)

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NO BAILE

A meia luz me envolvi
Em teus braços me perdi
Ao som de uma canção
Dançavamos com emoção.

Cada passo se fazia
lado a lado e devagar
Nosso corpo se movia
Como êxtase no ar.

Rodavamos pelo salão
Num ritmo lento e compassado
Era um mundo só nosso
De sonhos encantados.

A cada movimento
Meu coração pulsava
Colava meu rosto ao teu
Nosso corpo se encaixava.

E ao som de uma canção
Mais e mais nos envolviamos
Sem querer parar depois
Ao final da melodia.

Ansiosos esperavamos
Iniciar a seleção
Para viver novamente
o momento incandescente.

Passei a noite toda
Rodeada por teus braços
Sem pensar que em instantes
O final era chegado.

Mas o nosso desfecho
Foi o tão esperado
Os teus lábios se colaram
aos meus encalorados.

Amarilis Pazini Aires
Este é justamente o foco da exposição, "Alma Gráfica: Brennand Desenhos", abrigada na Galeria Paulista da Caixa Cultural que tem como destaque um conjunto de 59 desenhos do artista pernambucano
Direcionada essencialmente para o trabalho gráfico do escultor, essa exposição tem como objetivo justamente tornar mais conhecido este outro lado de sua obra, e que segundo ele, é justamente o aspecto central de seu trabalho: “Eu sou antes de tudo um desenhista”, afirma ele. Na exposição é possível também conferir algumas esculturas do artista pernambucano.

Os desenhos de Brennand, assim como suas esculturas, exploram o universo feminino, carregado sempre de uma forte sexualidade, mais à maneira do primitivismo áfrica do que da sensualidade das esculturas européias clássicas. Mas um aspecto que fica mais claro analisando seus desenhos, é o caráter freqüentemente mórbido, através dos traços expressionistas de Brennand. "Minha preocupação é a reprodução: a vida é eterna porque reproduz, e não pode haver reprodução sem sexualidade", afirma Brennand, "aqui existe uma sexualidade sem pudores, que tem ao mesmo tempo algo de primitivo e ao mesmo tempo cruel e inevitável".

Os 59 desenhos que compõe a mostra, são um seleção feita a partir de um conjunto de 800 desenhos do artista. Além destas obras, a mostra também exibe imagens da oficina de Brennand, em Recife. Atualmente com 80 anos, Brennand dedicou quase metade de sua vida na construção do imenso estúdio de trabalho, trabalho que iniciou-se em 1971. Atualmente a oficina é o principal local de trabalho dele, e assemelha-se já a um grande museu, com suas esculturas ornando todo os arredores da construção e jardins. A oficina surgiu das ruínas da velha orlaria que pertencia a seu pai., e hoje, aberta permanentemente para visitantes, recebe cerca de 4 mil visitas mensais.
ENCOMENDA

Desejo uma fotografia
como esta — o senhor vê? — como esta:
em que para sempre me ria
com um vestido de eterna festa.

Como tenho a testa sombria,
derrame luz na minha testa.
Deixe esta ruga, que me empresta
um certo ar de sabedoria.

Não meta fundos de floresta
nem de arbitrária fantasia...
Não... Neste espaço que ainda resta,
ponha uma cadeira vazia.

Cecília Meireles*


Hoje vi
Um pássaro voando,
Belo vôo
Amplo na imensidão!
Só!

Parecia igual
a tantos outros que já vi.
Sem rumo,
Sem parada definida,
Sem ninguém para apontar-lhe o caminho.
Voando por sobre as montanhas,
Os rios,
E só.

Se vêm a terra,
ninguém o recepciona.
Se pousa numa árvore,
ninguém o espera.
Se voa ao ar,
ninguém o acompanha.
É um pássaro
Parecido com tantos outros, e só.

O que eu vi
Foi um pássaro só.
De um bando,
Uma família.
E só.

Só o que eu vi
Neste dia,
Foi um pássaro a voar.
Avistei-o
Dentro do espelho
Onde estava eu,
Só.