sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Voz do Profeta exilado

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Voz do Profeta exilado

a Haydée de Meunier

Cansei-me de anunciar teu nome

às multidões desatinadas;

e, quando desdobrei teu rosto,

responderam-me co pedradas.

Deixei essas praias ferozes

de areias e alucinação.

Fui no meu barco de perigo,

de silêncio e de solidão.

Solucei nas rochas desertas,

equilibrei-me na onda brava.

Curvei de espanto a minha fronte:

e com as águas do mar chorava.

Chorei pelas gentes perdidas

de loucura e orgulho. Depois,

por minhas visões, por meus gestos.

E, finalmente, por nós dois.

Em que outros países, de que estranhos

mundos,alguém espera pela

minha voz, salva de martírios,

condutora da tua Estrela?

Diante dos horizontes próximos,

afligi-se o meu coração.

Não sei se é o tempo da chegada,

ou sempre o da navegação.

Cecília Meireles

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Vencer o Medo

 

 

 

 

Vencer o Medo

Parecemos estar hoje animados quase exclusivamente pelo medo. Receamos até aquilo que é bom, aquilo que é saudável, aquilo que é alegre. E o que é o herói? Antes de mais, alguém que venceu os seus medos. É possível ser-se herói em qualquer campo; nunca deixamos de reconhecer um herói quando este aparece. A sua virtude singular é o facto de ele ser um só com a vida, um só consigo próprio. Tendo deixado de duvidar e de interrogar, acelera o curso e o ritmo da vida. O cobarde, par contre, procura deter o fluxo da vida. E claro que não detém nada, a menos que se detenha a si próprio. A vida continua sempre a avançar, quer nos portemos como cobardes, quer nos portemos como heróis. A vida não impõe outra disciplina - se ao menos o soubéssemos compreender! - para além de a aceitarmos tal como é. Tudo aquilo a que fechamos os olhos, tudo aquilo de que fugimos, tudo aquilo que negamos, denegrimos ou desprezamos, acaba por contribuir para nos derrotar. O que nos parece sórdido, doloroso, mau, poderá tornar-se numa fonte de beleza, alegria e força, se o enfrentarmos com largueza de espírito. Todos os momentos são momentos de ouro para os que têm a capacidade de os ver como tais. A vida é agora, são todos os momentos, mesmo que o mundo esteja cheio de morte. A morte só triunfa ao serviço da vida.

Henry Miller, in "O Mundo do Sexo"

terça-feira, 27 de setembro de 2011

A Marginalização da Musica Caipira

Sentando em seu banquinho de madeira, um homem, mascando fumo e dedilhando uma velha viola, compõe canções enquanto o sol se põe no horizonte. Essa seria uma boa cena para descrever romanticamente um caipira compondo canções sobre sua rotina na roça. Mas a moda de viola, ou a chamada música de raiz, já não canta mais as imagens do verdadeiro cotidiano caipira. Hoje, só traduz dores de amor.

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Cenas do cotidiano no interior, descrições simplistas da vida de homens e mulheres rudes, que ainda não foram mudados pela expansão das cidades e do capitalismo. O culto a uma vida sem luxos, em que a subsistência vem da força das mãos e do conhecimento do tempo. Era disso que tratavam as modas de viola, que surgiram a partir dos anos 1920. Falava-se sobre como viver da terra. Hoje, o termo caipira foi generalizado, se tornando uma figura representada por esterótipos. O sotaque caipira e seu “falar errado” não é propositado. É um dialeto criado para uma comunicação própria entre comunidades que conhecem as horas apenas por observar a movimentação do sol, que têm um chá para todo tipo de doença e uma simpatia para qualquer mal.

A moda de viola é uma expressão da música caipira. Uma união de influências dos europeus, índios e africanos. Um estilo de música que conta fatos históricos da vida de quem vive no campo. Causos da região rural faziam parte das letras de Cornélio Pires, compositor que começou a gravar em 1929 o que hoje chamamos de música sertaneja.

A viola, símbolo e instrumento desse ritmo tão peculiar, trazia em suas cordas o poder de traduzir as tristezas, alegrias, dores e belezas da cultura caipira. Uma brava representante de uma parte da nossa brasilidade. A companheira do peito dos compositores que sabiam cantar sobre esse universo tão distinto.

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As letras quase sempre evocavam o bucolismo e o romantismo das paisagens, da cultura caipira, do homem interiorano, fazendo assim uma oposição ao homem que prosperava na cidade grande. O gênero que ainda trata desses mesmos aspectos hoje é conhecido como música de raiz, bem diferente da proposta utilizada pelos cantores que se intitulam sertanejos, com suas letras sobre dores de amor e tão somente isso. Exemplos de verdadeiros sertanejos, que cantavam uma temática muito ligada à realidade cotidiana são as duplas Mandi e Sorocabinha e Laureano e Soares.

A música de raiz pode ser historicamente dividida em três fases: de 1929 a 1944, como música caipira ou de raiz, na qual os cantores falavam do universo sertanejo de uma forma épica e muitas vezes satírica, mas quase nunca de uma forma amorosa. Destacam-se nesse período: Tonico e Tinoco e Pena Branca e Xavantinho.

Do pós-guerra até aos anos 60 há uma fase de transição, quando novos instrumentos passaram a fazer companhia à viola, como a harpa e o acordeão. Aqui a temática começou a ganhar um tom mais amoroso, mantendo, porém, seu caráter autobiográfico. Tião Carreiro, Cascatinha e Inhanha e as Irmãs Galvão foram representantes dessa fase.

Do final dos anos 60 até hoje ficamos com a música sertaneja romântica, que até há alguns anos atrás era representada por duplas como Chitãozinho e Xororó, Leandro e Leonardo e Zezé di Camargo e Luciano. Hoje, existe um número grande de duplas e cantores a solo que se intitulam caipiras, mas que há muito fugiram da original proposta da moda de viola. Como bem disse o jornalista e estudioso da cultura popular Assis Ângelo, “muita coisa de mau gosto foi produzida, gerando também uma vertente brega ou expressões conhecidas como dor de cotovelo, normalmente associadas ao que veio ser chamada música sertaneja. Surpreendentemente, esta nova vertente fez muito sucesso, às vezes a ponto de ofuscar a música caipira de raiz de conteúdo e sensibilidade admiráveis”.

Caio Fernandes Abreu

 


Entrar na realidade
Em luta, meu ser se parte em dois.
Um que foge, outro que aceita. O que aceita diz: não.
Eu não quero pensar no que virá: quero pensar no que é. Agora.
No que está sendo.
Pensar no que ainda não veio é fugir, buscar apoio em coisas externas a mim,
de cuja consistência não posso duvidar porque não a conheço.
Pensar no que está sendo, ou antes, não, não pensar,
mas enfrentar e penetrar no que está sendo é coragem.
Pensar é ainda fuga:
aprender subjetivamente a realidade de maneira a não assustar.
Entrar nela significa viver.
_________Caio Fernando Abreu*

Erico Veríssimo

 


"Um amigo me costumava dizer
que a vida é como uma travessia transatlântica.
Os passageiros são das mais variadas espécies.
Uns passam a viagem a se preparar para o desembarque no porto de seu destino
e desprezam as festas de bordo pelo simples prazer de viajar.
Outros não sabem do seu destino,
não tem nenhuma esperança no porto de chegada
e procuram passar da melhor maneira possível a travessia.
Este é o meu caso"!
_________Erico Veríssimo**