sábado, 1 de junho de 2013

A Irmandade Pré-Rafaelita - a arte pela arte

Na Inglaterra de 1848, um grupo de jovens artistas forma uma irmandade chamada “Os Pré-Rafaelitas”. Um importante movimento artístico que mudou os rumos da estética da arte, em uma época que os artistas tinham voz, coragem e, sobretudo, ideal. Estes artistas eram jovens destemidos que lutaram pelo que acreditavam ser a forma ideal de se fazer arte. A deles.

 

Irmandade Pre-Rafaelita
Ophelia

Na Inglaterra de 1848, um grupo de jovens artistas forma uma irmandade chamada “Os Pré-Rafaelitas”. Esses jovens são Dante Gabriel Rossetti, William Holman Hunt e John Everett Millais. Uma irmandade considerada irreverente, transgressora, pois rompe com os princípios estéticos da pintura aprendida nas Academias de Arte. Pregam a “a arte pela arte” - uma arte sem interferência acadêmica, uma arte em seu estado bruto.

Considerado uma espécie de reforma artística, o movimento pré-rafaelita intenciona romper com a rigidez das técnicas acadêmicas e mecânicas, a fim de libertar o artista para produzir de maneira mais autêntica. A irmandade é uma reação e uma provocação contra a arte padrão do academicismo na Inglaterra.

Acabam por tornar-se um grupo que partilha características, obviamente. Mesmo rompendo com o academicismo, encontram uma identidade que vai além de cada um deles. Essa identidade é facilmente reconhecida - por exemplo, nas cores esmaltadas e luminosas usadas em seus quadros, um claro rompimento da convenção dos tons suaves que eram praticados até então. Não utilizavam as técnicas de sombreamento e profundidade, também - como faziam os clássicos - pois achavam que isso relegava os elementos periféricos da pintura para segundo plano. Também ignoravam as leis da perspectiva - tudo princípios consagrados e inquestionáveis para as escolas académicas.

Os pré-rafaelitas não acreditavam na eficácia da técnica, mas sim na sensibilidade imprescindível para produzir suas obras. Pregam uma estética mais pura, pois não sofre interferência destes filtros pré-estabelecidos da Academia. Queriam resgatar a pureza e a honestidade que consideravam existir na arte anterior a Rafael (1483-1520) – um artista que muito influenciou a Academia Inglesa e, por isso, muito criticado pelos pré-rafaelitas. Acreditavam que o excesso de rigor das técnicas ensinadas na Academia conduzia os pintores para uma artificialidade ao retratar a natureza e a “obra de Deus”.

Irmandade Pre-Rafaelita
Die Geliebte

A irmandade abrigava todos os artistas que de alguma forma partilhavam este ideal de romper com o academicismo imperativo. Acreditavam, principalmente, na liberdade de expressão artística – o que achavam não ser possível dentro das Academias. Pregavam um diálogo entre vertentes artísticas como a literatura e a pintura, por exemplo. Um dos mais talentosos pré-rafaelitas, Dante Gabriel Rossetti, também era poeta e divulgava em alguns periódicos da época as teorias do grupo. A irmandade então começou a dedicar seus trabalhos a retratar personagens da literatura, poesia e mitologia, como verificamos nos belíssimos quadros “Proserpine” (1874), de Dante Gabriel Rossetti, e “Ophelia” (1852), de Everett Millais, baseado na heroína da famosa obra de Shakespeare, Hamlet.

Suas mais famosas obras são de personagens da literatura e da mitologia. Ao contrário da pintura de gênero, como os interiores e paisagens, à qual os pré-rafaelitas tinham aversão, eles propunham uma arte que consideravam ser mais sensível: era idealizada pelo artista, e não simplesmente um retrato de algo exterior.

Eles foram severamente criticados por pessoas influentes, como o novelista Charles Dickens, que descreveu com desdém a forma como lamentavelmente romperam com as regras do academicismo. Certamente, a crítica e o público os receberam como anarquistas e indisciplinados. No entanto, a irmandade também conseguiu fortes patronos como o crítico John Ruskin - que defendia outros artistas que romperam com as regras acadêmicas, como é o caso do famoso pintor inglês William Turner.

Irmandade Pre-Rafaelita
The Lady of Shallot

Os pré-rafaelitas, com sua filosofia, abalaram o cenário artístico de Londres. Mas a Irmandade
rompeu-se no fim de 1854. A esta época todos os membros já desenvolviam uma obra individual, mas jamais deixaram de aplicar as características pré-rafaelitas em seus quadros. A famosa irmandade deixou seu legado para uma nova geração de pintores como John William Waterhouse que, com uma de suas mais famosas pinturas – “The Lady of Shallot” (1888), retirada de um poema de Lord Alfred Tennyson – homenageia a estética pré-rafaelita com grande maestria.
Irmandade Pre-Rafaelita
Ophelia

quinta-feira, 30 de maio de 2013

Chico Buarque - Ser Chico ou não ser?

 Todo homem em um determinado momento faz uma escolha, continuar comum ou virar rei. Chico é desses que foram coroados pelo povo, pela sua luta, musica e pelas mulheres!
Em uma interminável caminhada, nos presenteou com suas letras e presenteou as mulheres com seu amor, Chico é assim, simples com ar de nobre, conquistador com ar de revolucionário, sorte dele e sorte nossa.

Chico é bom para se ouvir com chuva, com sol, a noite, com dor de corno, ou fazendo amor loucamente. Entre um LP e outro podem-se confundir gestos, ideias, loucuras de um mero mortal idealista, com a ardente vontade de ter todas as mulheres em seus braços e abraços, sentir cada pedaço de seu corpo em seus acordes e cada acorde de seu violão ser como um açoite em nossa pobre alma, sedenta de amores vãos, amores por inteiro, amores feito com um pouco de Chico.

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Toda mulher deveria ouvir Chico e todo homem deveria em algum momento da sua vida, ter um certo ar de Chico. Engajado, amante, descompromissado com certos valores, amante da vida, das flores tão perfumadas disfarçadas de mulheres, e com palavras que certas vezes são espinhos na garganta da sociedade.

Impossível não confundir suas musicas, letras com o momento em que se vive, quem poderia dizer que “Construção, Vai trabalhar vagabundo, Cotidiano, O que será”, não é atual, não reflete nossas aflições, nossas preocupações com uma sociedade parcialmente corrompida, politicamente esfacelada. Mas as palavras de mudança não seriam as únicas que este plebeu considerado rei nos brindaria, como se não fosse o bastante, abriu seu coração para o amor e dele sairão versos e mais versos, verdadeiras obras de arte.

 

 

Se pode se considerar um batalhador por ideais, igualmente pode se dizer como o ultimo amante das mulheres brasileiras, aquele que consegue sentir a fina delicadeza de seus olhares, suas lutas e batalhas, a entrega de seus romances não poderia ser diferente da entrega de suas palavras. Imagino quantos amores sentidos para “Samba e amor, Futuros amantes, Sem compromisso, Menina, Virando mulher, Palavra de mulher” entre outras tantas igualmente viciantes, se tornar melodia.

 

Seu jeito tranquilo, seu ar de malandro misturado com sua nobreza, capaz de atrair mulher pacatas, mulheres batalhadores, pacificas e verdadeiras feras. Um homem que viveu e continua a viver para as mulheres, e como não se inspirar nas curvas, nos olhares e sorrisos de nossas mulheres, tão únicas e tão presentes no nosso dia. Essa entrega só poderia ter como resultado muita história, muita musica, muita luta e muito amor.

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Um livro aberto, um enciclopédia ambulante, com muitos outonos e primaveras, verões de amores intermináveis, de lutas que nunca hão de acabar em um país que insiste em nos fazer judiar o coração, a razão. Então volta e meia, dou-me ao luxo de uma taça de vinho, perco alguns minutos limpando o empoeirado disco, sento em uma velha poltrona e deixo Chico me lembrar que entre uma luta e outra a espaço para amores sem fim e repito para minha mente sem ninguém saber, hei! Hei! Hei! Chico é nosso rei.

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Quando Fernando Pessoa foi mulher

 

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Fernando Pessoa é, sem dúvidas, o maior nome da poesia portuguesa no século XX. Mas seu legado destaca-se pelo uso magistral da heteronímia na sua obra poética. Seus heterônimos não cobriram o seu nome e, dentre eles, três destacam-se: Álvaro de Campos (o futurista), Alberto Caeiro (o mestre campestre) e Ricardo Reis (o classiscista). Ainda é possível destacar Bernardo Soares, semi-heterônimo, autor de "Livro do Desassossego".

Mas já são mais de 120 heterônimos (completos ou incompletos) detectados em toda sua obra.

Mesmo com esse retrospecto, ainda é estranho crer que Fernando Pessoa, o poeta português, tenha criado um heterônimo feminino, mas, sim, ele escreveu usando um eu-lírico feminino e com um nome impossivelmente mais comum: Maria José.

E Maria José aparece na obra pessoana através de um texto de sensibilidade arrebatadora: "A carta da corcunda para o serralheiro". O texto assume o formato proposto no título e começa com um tom de despedida, de última carta - o lamento por existir, tão comum na obra do poeta.

"O senhor nunca há de ver esta carta. Nem eu a hei de ver pela segunda vez, porque estou tuberculosa, mas eu quero escrever-lhe, ainda que o senhor o não saiba, porque se não escrevo abafo."

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A autora da carta constantemente se retrata do que disse, impondo sua condição "gauche", sua posição de "ninguém" (ela diz: "sou doente, e nunca tive alma"):

"Sei que o senhor tem uma amante, que é aquela rapariga loura alta e bonita; eu tenho inveja dela, mas não tenho ciúmes de ti, porque não tenho direito a ter nada, nem mesmo ciúmes."

Pessoa trata calculada e poeticamente do amor platônico e do valor desse amor. Maria José, mulher corcunda que vive debruçada sobre a janela a observar a rua, vincula sua insipiente felicidade à passagem do serralheiro pela rua.

"O senhor é tudo quanto me tem valido na minha doença e eu estou-lhe agradecida sem que o senhor o saiba. Eu nunca poderia ter ninguém que gostasse de mim, como se gosta das pessoas que têm o corpo de que se pode gostar, mas eu tenho o direito de gostar sem que gostem de mim, e também tenho o direito de chorar, que não se negue a ninguém."

Ainda na introdução, Maria tenta apresentar-se e não consegue desvincular sua imagem da imagem que os outros constroem sobre ela. "Eu sou corcunda desde a nascença e sempre riram de mim. Dizem que todas as corcundas são más, mas eu nunca quis mal a ninguém.".

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A carta é constantemente hesitante. As correções a si própria dão conta da incerteza e inexperiência da corcunda no campo dos sentimentos e das palavras. Pessoa surpreende no uso da ingenuidade e na ironia com os sentimentos de Maria, esse traço fica bem explícito no seguinte trecho:

"Houve um dia que o senhor vinha para a oficina e um gato se pegou à pancada com um cão aqui defronte da janela, e todos estivemos a ver, e o senhor parou, ao pé do Manuel das Barbas, na esquina do barbeiro, e depois olhou para mim para a janela, e viu-me a rir e riu também para mim, e essa foi a única vez que o senhor esteve a sós comigo, por assim dizer, que isso nunca poderia eu esperar."

No escrito de Pessoa, até os ninguéns amam. Seria essa - nas palavras de Bernardo Soares - a traição ao próprio ser. E ainda os ninguéns são tão nulos que até a morte lhes é negada.

"Eu, às vezes, dá-me um desespero como se me pudesse atirar da janela abaixo, mas eu que figura teria a cair da janela? Até quem me visse cair ria e a janela é tão baixa que eu nem morreria..."

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Maria reveste-se de sua visão coitadista e Pessoa parece ironizar constantemente o sentimento puro de Maria, a dependência causada pelo amor, o condicionamento da felicidade a um outro alguém. E o serralheiro, imagem sugerida na carta, não chega a ser um deus, mas um homem absolutamente comum - só não é comum para a corcunda da janela.

"Se o senhor soubesse isto tudo, era capaz de de vez em quando me dizer adeus na rua, e eu gostava de se lhe poder pedir isso, porque o senhor não imagina, eu talvez não vivesse mais, que pouco é o que tenho de viver, mas eu ia mais feliz lá para onde se vai, se soubesse que o senhor me dava os bons dias por acaso."

O fim da carta fala por si só... A carta com destinatário, mas que nunca chegará ao seu destino. À corcunda importa apenas que seja escrita para não "abafar". Afinal, Pessoa revê a importância das cartas de amor - num outro heterônimo tratadas como "ridículas".

"Adeus, senhor Antonio, eu não tenho senão dias de vida e escrevo esta carta só para a guardar no peito como se fosse uma carta que o senhor me escrevesse em vez de eu a escrever a ti. Eu desejo que o senhor tenha todas as felicidades que possa desejar e que nunca saiba de mim para não rir, porque eu sei que não posso esperar mais.

Eu amo o senhor com toda a minha alma e toda a minha vida.

Aqui tem e estou a chorar.