quinta-feira, 8 de abril de 2010






Balada para um Homem na Multidão

Este homem que entre a multidão
enternece por vezes destacar
é sempre o mesmo aqui ou no japão
a diferença é ele ignorar.

Muitos mortos foram necessários
para formar seus dentes um cabelo
vai movido por pés involuntários
e endoidece ser eu a percebê-lo.

Sentam-no à mesa de um café
num andaime ou sob um pinheiro
tanto faz desde que se esqueça
que é homem à espera que cresça
a árvore que dá dinheiro.

Alimentam-no do ar proibido
de um sonho que não é dele
não tem mais que esse frasco de vidro
para fechar a estrela do norte.
E só o seu corpo abolido
lhe pertence na hora da morte.

Natália Correia, in "O Vinho e a Lira"

A Arte de Ser Amada

Eu sou líquida mas recolhida
no íntimo estanho de uma jarra
e em tua boca um clavicórdio
quer recordar-me que sou ária

aérea vária porém sentada
perfil que os flamingos voaram.
Pelos canteiros eu conto os gerânios
de uns tantos anos que nos separam.

Teu amor de planta submarina
procura um húmido lugar.
Sabiamente preencho a piscina
que te dê o hábito de afogar.

Do que não viste a minha idade
te inquieta como a ciência
do mundo ser muito velho
três vezes por mim rodeado
sem saber da tua existência.

Pensas-me a ilha e me sitias
de violinos por todos os lados
e em tua pele o que eu respiro
é um ar de frutos sossegados.

Natália Correia, in "O Vinho e a Lira"

quarta-feira, 7 de abril de 2010



Esta é a minha vida

é a minha alma

é o meu coração

á frente de você

porquê gastar o meu tempo

com esta canção

a dizer o que eu sei

Eu vivia com medo

chorando sozinho

deixo que o fluxo do rio

leve as lagrimas

que dos meus olhos caiem

o final é transformar um sonho


e onde havia névoa

tudo começa a clarear

Myriam valentina


terça-feira, 6 de abril de 2010


Queria ser lírico
como um xírico
dizer sem perceber
aquilo que faço
embora, no mundo da ébola
onde grilos giram
circulam
afundam
por entre terras tenras
envolvidas no desenvolvimento
onde vidas se escondem
praticando artes profanas

Queria ser alguém
viver de bem
sem ninguém provocar
manifestando apenas alegria
como se estivesse na grande festa
de família também simpática
que não tem problemas graves
apenas dezenas de amores
multiplicadas em cada réplica da vida
despojada neste espaço jocoso
onde vivem bondosos montes
de javalis e aves
em comunhão de bens

Queria ser tudo
menos um rebelde
abandonado pelos donos
como um escravo no deserto
isolado e liberto
sem ninguém p'ra ajudar
apenas oferecer seu magro corpo
ao húmus desértico
e confirmar o fim artístico
de mais uma criatura turística
que veio ao mundo de passagem
como um passageiro estrangeiro
entre mestres megalomaníacos
que não sabem mais nada
senão chorar p'lo que desejam


Domingos Carlos Pedro, Maputo, Moçambique

Mensagem

Todo o Mundo tem um Amor
E todo o Amor tem um Mundo!
Só que o meu Amor...
Não cabe em Todo o Mundo
de tão eterno...dedilhado e tão mudo...
É um Amor sem história
Nesta História sem palavras
da civilização do concreto
que destrói a vegetação
a natureza e diversidade
para restar o deserto
a cinza,a infelicidade...
e os produtos
da reacção...
Uma sociedade que vive
de electricidade estática
gerada por fricção
andamos electrizados
negativos... negativos
e não nos apercebemos de
que só usamos um grãozinho
do nosso potencial
Ignoramos a Vida...
e enchemos as Escolas
e os palcos do Mundo
de significados
que não definem
Eternidade
Sonho e Amor...
Vivemos obcecados
por ter mais que o outro
pelo grito mais histérico
histriónico...
Quantos nichos naturais
acabam para dar lugar
a um nicho de mercado?
Uma mudança de escala
a todos surpreenderia...
e veriamos o ridículo da vida
que construimos
Vivemos confusos
de palmas em palmas
sem conhecer o profundo
significado do estalido das nossas
mãos
Confusos e sem Confúcios...
andamos
sintetizados
pelos valores do efémero
do polímero e dos dias meros...
e não sabemos sequer
Ser mais e melhor...
do que quimeras !
Porquê viver
de tão louca ilusão
que acaba no mesmo segundo
em que se dispõe começar...?
E não ser revolucionário
ser contra -corrente...
ficar em casa
em vez de ir a festas
de muita gente ?
E porque havia de falar
deste meu Amor tão mudo
e eterno...etéreo ?
porque nele está a semente
o segredo do que pode ser o futuro
que está mesmo a despontar...
Não vive de monotonia
está vivo noite e dia
alimenta-se de estrelas
do Sol,do mar e do luar...
dos sonhos de quem quer sonhar...
Tem regras bem definidas
os seus ritos e desertos
é pouco exigente ao tacto
mas há tamanha ternura
e carinho e muita Sabedoria
que é difícil explicar
Não é Narciso de certeza
Nem Sísifo...mas talvez um novo
mito que será realidade
nos séculos que irão durar
Vive de sonho e puro amor
ultrapassa barreiras de betão
condensa o Mundo num minuto
para sempre perdurar
reparem...o que é o Amor banal?
má experiência afinal
dos que se tocam sem Amar
corpos-cavernas sem ternura
não são amor
são somatório bestial...
retirar dali para colocar ali
uns montes...tão ...montes!
uma praia... tão praia!
uma multidão...tão...sem nada...
e nada mais para além do
vórtice dos dias que passam
e que sugam a carne e o sangue...
por mais que se esforçem
não criam novo elemento
De sigla A de Amor
na tabela periódica
em que Tudo é tão igual...
Nem uma nova química...
do roçar de mucosas
(com ou sem protecção)
à emissão de secreção...
Tudo é monótono e
egoísta...e oportunista
e teatral e libertinário...
afinal !
É um filme dos dias
contados...
tiranizados...
Se houvesse o dia do Titanic
seriam todos os dias do ano
porque andamos às avessas
verborreicos
com rasgões nas relação
Só com desejo de ter...
inconsciente e animal
incluindo o de mandar...dominar
que só o Chaplin velhinho e humilde
fala ao coração ...de tão mudo
e ingénuo...
afinal !
Vive-se momentos corantes
de prédios berrantes
de tinta que desenha o próprio Sol....
Mestres na arte de dizer
especialistas em conquistar e reconquistar
não em cativar e dialogar...
Bonecos e palhaços modernos
luzidios sem esperança
de coisa alguma
que se não veja...
mais obesos da ideia
de sucesso
do que o sucesso
poderia jamais pesar
de tão oco e fútilmente
fruído
Momentos...
de momentos inspirados
que para outros não passam
de momentos bem pensados
eu diria bem cunhados...
Momentos em inglês
que ninguém percebe
momentos
com sabor artificial
pois Amor não é só carnal
os olhos comem sôfregos
insanos...e não procuram
a beleza de uma estrela
de Platão o ideal
só corpos cavernosos
a inflarem, a insuflarem
no consumo que se excita
no inchaço que se vê !
Hoje subi ao meu terraço
pela milésima vez
e extasiei-me de astros
de música divinal
sim... podemos ser um Deus
do alpendre da nossa casa...
ou num cantinho essencial...
escutar o amor da Natureza
multiplicar estrelas por luar
viciar-me em ar puro
que o mar tem para dar...
Viver à oriental com dois
metros quadrados
e uma tijela de arroz
Mas ser rico de Amor
de Sonho e de espaço sideral...
Liberdade...para ser livre
uma flor
um pássaro voando cada vez mais
alto e mais longe ...um poema...
um sorriso...um gesto
viver do Sonho
e gerar um dia
no sangue iniciático
Os filhos do Sonho...

segunda-feira, 5 de abril de 2010

O Adeus do Génio


Que Feliz Destino o Meu

MOTE

«Que feliz destino o meu
Desde a hora em que te vi;
Julgo até que estou no céu
Quando estou ao pé de ti.»

GLOSAS

Se Deus te deu, com certeza,
Tanta luz, tanta pureza,
P'rò meu destino ser teu,
Deu-me tudo quanto eu queria
E nem tanto eu merecia...
Que feliz destino o meu!

Às vezes até suponho
Que vejo através dum sonho
Um mundo onde não vivi.
Porque não vivi outrora
A vida que vivo agora
Desde a hora em que te vi.

Sofro enquanto não te veja
Ao meu lado na igreja,
Envolta num lindo véu.
Ver então que te pertenço,
Oh! Meu Deus, quando assim penso,
Julgo até que 'stou no céu.

É no teu olhar tão puro
Que vou lendo o meu futuro,
Pois o passado esqueci;
E fico recompensado
Da perda desse passado
Quando estou ao pé de ti.

António Aleixo, in "Este Livro que Vos Deixo..."


Desporto e Pedagogia

I

Diz ele que não sei ler
Isso que tem? Cá na aldeia
Não se arranjam dúzia e meia
Que saibam ler e escrever.

II

P'ra escolas não há bairrismo,
Não há amor nem dinheiro.
Por quê? Porque estão primeiro
O Futebol e o Ciclismo!

III

Desporto e pedagogia
Se os juntassem, como irmãos,
Esse conjunto daria,
Verdadeiros cidadãos!
Assim, sem darem as mãos,
O que um faz, outro atrofia.

IV

Da educação desportiva,
Que nos prepara p'ra vida,
Fizeram luta renhida
Sem nada de educativa.

V

E o povo, espectador em altos gritos,
Provoca, gesticula, a direito e torto,
Crendo assim defender seus favoritos
Sem lhe importar saber o que é desporto.

VI

Interessa é ganhar de qualquer maneira.
Enquanto em campo o dever se atropela,
Faz-se outro jogo lá na bilheiteira,
Que enche os bolsinhos aos que vivem dela.

VII

Convém manter o Zé bem distraído
Enquanto ele se entrega à diversão,
Não pode ver por quantos é comido
E nem se importa que o comam, ou não.

VIII

E assim os ratos vão roendo o queijo
E o Zé, sem ver que é palerma, que é bruto,
De vez em quando solta o seu bocejo,
Sem ter p'ra ceia nem pão, nem conduto.

António Aleixo, in "Este Livro que Vos Deixo..."
Rasgo minha carne
Tiro as máscaras
Mergulho fundo, me reinvento
Gata com sete vidas
Caio em pé e não me deito
Sou felina, sou mulher
Sou teu desejo e segredo
Perturbo teu silêncio
Me escondo atrás da lua
Me desapego
Apago pegadas e sonetos
Sou dança e cantiga
Não tenho medo
Reconstruo minha vida
Crio meu caminho
Sigo em frente
Jogando versos ao vento

Myriam Valentina


A Torpe Sociedade onde Nasci

I

Ao ver um garotito esfarrapado
Brincando numa rua da cidade,
Senti a nostalgia do passado,
Pensando que já fui daquela idade.

II

Que feliz eu era então e que alegria...
Que loucura a brincar, santo delírio!...
Embora fosse mártir, não sabia
Que o mundo me criava p'ra o martírio!

III

Já quando um homenzinho, é que senti
O dilema terrível que me impôs
A torpe sociedade onde nasci:
— De ser vítima humilde ou ser algoz...

IV

E agora é o acaso quem me guia.
Sem esperança, sem um fim, sem uma fé,
Sou tudo: mas não sou o que seria
Se o mundo fosse bom — como não é!

V

Tuberculoso!... Mas que triste sorte!
Podia suicidar-me, mas não quero
Que o mundo diga que me desespero
E que me mato por ter medo à morte...

António Aleixo, in "Este Livro que Vos Deixo..."

domingo, 4 de abril de 2010


London, London
Caetano Veloso
Composição: Caetano Veloso
I'm wandering round and round, nowhere to go
I'm lonely in London, London is lovely so
I cross the streets without fear
Everybody keeps the way clear
I know I know no one here to say hello
I know they keep the way clear
I am lonely in London without fear
I'm wandering round and round, nowhere to go
While my eyes go looking for flying saucers in the sky (2x)
Oh Sunday, Monday, Autumn pass by me
And people hurry on so peacefully
A group approaches a policeman
He seems so pleased to please them
It's good at least, to live and I agree
He seems so pleased, at least
And it's so good to live in peace
And Sunday, Monday, years, and I agree

While my eyes go looking for flying saucers in the sky (2x)
I choose no face to look at, choose no way
I just happen to be here, and it's ok

Pergunta

Quem vem de longe e sabe o nome do meu lugar
e levou o caminho das conchas em mar
e dos olhos em rio
— quem vem de longe chorar por mim?

Quem sabe que eu findo de dureza
e condensa ternura em suas mãos
para a derramar em afagos
por mim?

Quem ouviu a angústia do meu brado,
sirene de um navio a vadiar no largo,
e me traz seus beijos e sua cor,
perdendo-se na bruma das madrugadas
por mim?

Quem soube das asperezas da viagem
e pediu o pão negado
e o suor ao corpo torturado,
por mim? por mim?

Quem gerou o mundo e lhe deu seu nome
e seu tamanho — imenso, imenso,
e em mim cabe?

Fernando Namora, in "Mar de Sargaços"

Poema Cansado de Certos Momentos

Foi-se tudo
como areia fina escoada pelos dedos.
Mãe! aqui me tens,
metade de mim,
sem saber que metade me pertence.
Aqui me tens,
de gestos saqueados,
onde resta a saudade de ti
e do teu mundo de medos.
Meus braços, vê-os, estão gastos
de pedir luz
e de roubar distâncias.
Meus braços
cruzados
em cruz de calvário dos meus degredos.
Ai que isto de correr pela vida,
dissipando a riqueza que me deste,
de levar em cada beijo
a pureza que pariste e embalaste,
ai, mãe, só um louco ou um Messias
estendendo a face de justo

para os homens cuspirem o fel das veias,
só um louco, ou um poeta ou um Cristo
poderá beijar as rosas que os espinhos sangram
e, embora rasgado, beber o perfume
e continuar cantando.
Mãe! tu nunca previste
as geadas e os bichos
roendo os campos adubados
e o vizinho largando a fúria dos rebanhos
pela flor menina dos meus prados.
E assim, geraste-me despido
como as ervas,
e não olhaste os pegos nem as cobras,
verdes, viscosas, espreitando dos nichos.
De mão nua, entregaste-me ao destino.
Os anjos ficaram lá em cima, cobardes, ansiosos.
E sem elmos ou gibões,
nem lutei nem vivi:
fiquei quieto, absorto, em lágrimas
— e lá ao fundo esperavam-me valados
e chacais rancorosos.

Mãe! aqui me tens,
restos de mim.
Guarda-me contigo agora,
que és tu a minha justiça e o exílio
do perdido e do achado.
Guarda-me contigo agora
e adormece-me as feridas
com as guitarras do fado.

Mas caberá no teu regaço
o fantasma do perdido?

Fernando Namora, in "Mar de Sargaços"

Profecia

Nem me disseram ainda
para o que vim.
Se logro ou verdade,
se filho amado ou rejeitado.
Mas sei
que quando cheguei
os meus olhos viram tudo
e tontos de gula ou espanto
renegaram tudo
— e no meu sangue veias se abriram
noutro sangue...
A ele obedeço,
sempre,
a esse incitamento mudo.
Também sei
que hei-de perecer, exangue,
de excesso de desejar;
mas sinto,
sempre,
que não posso recuar.

Hei-de ir contigo
bebendo fel, sorvendo pragas,
ultrajado e temido,
abandonado aos corvos,
com o pus dos bolores
e o fogo das lavas.
Hei-de assustar os rebanhos dos montes
ser bandoleiro de estradas.
— Negro fado, feia sina,
mas não sei trocar a minha sorte!

Não venham dizer-me
com frases adocicadas
(não venham que os não oiço)
que levo caminho errado,
que tenho os caminhos cerrados
à minha febre!
Hei-de gritar,
cair, sofrer
— eu sei.
Mas não quero ter outra lei,
outro fado, outro viver.
Não importa lá chegar...
O que eu quero é ir em frente
sem loas, ópios ou afagos
dos lábios que mentem.

É esta, não é outra, a minha crença.
Raios vos partam, vós que duvidais,
raios vos partam, cegos de nascença!

Fernando Namora, in "Relevos"