Existem algumas reflexões e ideias que, quando expostas, suscitam na maioria das pessoas a sensação de que o que está sendo explicitado não passa de uma obviedade, que é uma verdade universal, já sabida por todos ou, pelo menos, conhecida por todos. O que acontece é que, muitas vezes, não são ideias que tenham sido ditas antes, mas que as pessoas já possuem dentro de si mesmas, de modo que parecem velhas, mas que, no entanto, não fazem parte da lucidez pragmática da maioria.
Assim ocorre com as ideias do ego. O ego, esse conceito que está tão na moda, é quem faz a roda do mundo girar. Parece que a humanidade percebeu finalmente, de alguma forma, (talvez uma forma paradoxalmente egoísta) que é vital o olhar para dentro si, para o próprio ego, e perceber como este "EU" altera a sua vida e o mundo.
Creio que esse olhar para dentro de si tenha surgido com as novas "teologias" do sucesso pessoal. É preciso ser vencedor, é preciso se amar, se amar muito, ter, conquistar e por aí vai. As pessoas descobriram que para que o sucesso ocorra, muitas vezes é preciso livrar-se de sentimentos que atrapalham o caminho, neuroses e todos os traumas mencionados por Freud.
Por motivos tortos, fomos levados a tentar compreender quais são as amarras que criamos em torno de nós ao longo da vida. Freud, tardiamente se comparado ao budismo, percebeu, de certa forma, que a vida é sofrimento, é castração. O budismo nos promete a "cura" total do sofrimento pela prática da meditação e do desapego. Freud já conhece o homem ocidental e afirma de antemão que a nós é impossível o alívio do sofrimento, da castração de do "mal-estar" de existir, já que a nós é impossível a libertação dos prazeres. Essa compreensão é de imensa importância para entender o que temos feito ao longo da História. O que temos feito desde o âmbito pessoal de nossas vidas até a História.
Se esse fenômeno atual de a Psicanálise, a Psicologia e o autoconhecimento estarem na moda não fosse mais uma criação do ávido ego humano, que procura somente e tão somente a própria satisfação e prazer, seria-nos possível compreender séculos e séculos de guerras, torturas, maus tratos aos homens e à natureza, fracassos das relações interpessoais e o porquê de estarmos sempre em busca da satisfação, atrás de mais e mais desejos, a fim de preencher um vazio impreenchível, que nasce conosco e vai morrer conosco.
O Cristianismo, há mais de 2000 anos vem pregando os ensinamentos de Jesus Cristo, cujas ideias já nos alertavam para os perigos do ego. No entanto, a própria instituição da Igreja foi contaminada pelo ego, fazendo necessário um pedido de desculpas à humanidade pelas atrocidades cometidas ao longo da História.
A maior parte da população do mundo é religiosa, e a maior parte das religiões tem como base ensinamentos de amor, autoconhecimento e domínio do ego. Todos sabem da verdade sobre o ego. É-nos preferível ignorá-la a ter de abrir mão do nosso prazer.
O mundo sente-se livre da responsabilidade pelos atos do ego. As religiões são, paradoxalmente, fonte de dois fenômenos psicológicos perturbadores: ou o fiel é religioso para sentir-se absolvido de seus atos, pois é só cumprir a ritualística que o perdão é concedido; ou busca a retidão e o alívio do sofrimento, na tentativa de purificar-se, e sente-se cada dia mais impuro, culpado e infeliz por não se encaixar no padrão de perfeição exigido pela religião.
Creio que todas as ideias aqui explicitadas já foram sabidas antes, aliás, estão entranhadas na nossa cultura e inconsciente. No entanto, por mais que esta verdade seja dita, jamais será capaz de vencer o ego e sua necessidade de prazer. Todos estamos culturalmente entregues aos desejos do ego.
Ainda que seja uma verdade inconveniente, ignorada, evitada, nunca é demais dizer uma verdade.