sábado, 5 de dezembro de 2009

Marinha

Grito teu nome aos ventos.
Olha: há uma revoada marítima.
O horizonte se afasta, há um ritmo largo
de ondas que se espreguiçam.

Velas esguias,
para onde voam?

Sulcos de prata,
para onde levam?
Amiga, amiga! Ah, dize-me depressa:
Quem grita aos ventos o teu nome?
O mar, ou eu,
o grande mar que o está cantando

Emilio Moura

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Ali termina tudo
e não termina:
ali começa tudo
se despedem os rios no gelo,
o ar se há casado com a neve,
não há ruas nem cavalos
e o único edifício
o construiu a pedra.
Ninguém habita o castelo
nem as almas perdidas
que frio e vento frio
amedrontaram:
é sozinha ali a solidão do mundo,
e por isso a pedra
se fez música,
elevou suas delgadas estaturas,
se levantou para gritar ou cantar,
porém ficou muda.
Só o vento,
o açoite
do Pólo Sul que assobia,
só o vazio branco
e um som de pássaro de chuva
sobre o castelo da solidão.

Pablo Neruda

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

FIM DE INVERNO

Na verde encosta coberta de asas
já repica um azul de violetas.
Somente ao longo da floresta escura
demora a neve em línguas dentilhadas,
mas gota a gota vai-se desfazendo
atraída pela terra.
No pálido céu alto pastam alvos
rebanhos de nuvens. Um pintassilgo
em amoroso canto se desfaz:
-Homens, amai-vos e cantai em paz!

(Hermann Hesse)
Devolve

Devolve toda a tranqüilidade
Toda a felicidade
Que eu te dei e que perdi

Devolve todos os sonhos loucos
Que eu construí aos poucos
E te ofereci

Devolve, eu peço, por favor
Aquele imenso amor
Que nos teus braços esqueci

Devolve, que eu te devolvo ainda
esta saudade infinda
Que eu tenho de ti.

Mário Lago

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

O trem estacou, na manhã fria,
num lugar deserto, sem casa de estação:
a parada do Leprosário...

Um homem saltou, sem despedidas,
deixou o baú à beira da linha,
e foi andando. Ninguém lhe acenou...

Todos os passageiros olharam ao redor,
com medo de que o homem que saltara
tivesse viajado ao lado deles...

Gravado no dorso do bauzinho humilde,
não havia nome ou etiqueta de hotel:
só uma estampa de Nossa Senhora do Perpétuo
[ Socorro...

O trem se pôs logo em marcha apressada,
e no apito rouco da locomotiva
gritava o impudor de uma nota de alívio...

Eu quis chamar o homem, para lhe dar um
[ sorriso,
mas ele ia já longe, sem se voltar nunca,
como quem não tem frente, como quem só
[ tem costas...

Guimarães Rosa

Impaciência

(duas variações sobre o mesmo tema)

I

Eu queria dormir
longamente...
(um sono só...)
Para esperar assim
o divino momento que eu pressinto,
em que hás de ser minha...

Mas...
e se essa hora
não devesse chegar nunca?...
Se o tempo,
como as outras cousas todas,
te separa de mim?!...

Então...
ah! então eu gostaria
que o meu sono,
friíssimo e sem sonhos
(um sono só...)
não tivesse mais fim...

Se eu pudesse correr pelo tempo afora,
vertiginosamente,
futuro adiante,
saltando tantas horas tediosas,
vazias de ti,
e voar assim até o momento de todos os momentos,
em que hás de ser minha!...

Mas...
e se esse minuto faltar
nas areias de todas as ampulhetas?...
E se tudo fosse inútil:
a máquina de Wells,
as botas de sete léguas do Gigante?!...

Então...
ah!, então eu gostaria
de desviver para trás, dia por dia,
para parar só naquele instante,
e nele ficar, eternamente, prisioneiro...
(Tu sabes, aquele instante em que sorrias
e me fizeste chorar...)

Guimarães Rosa


terça-feira, 1 de dezembro de 2009





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Soneto da saudade

Quando sentires a saudade retroar
Fecha os teus olhos e verás o meu sorriso.
Eternamente te direi a sussurrar:
O nosso amor a cada instante está mais vivo!

Quem sabe ainda vibrará em teus ouvidos
Uma voz macia a recitar muitos poemas...
E a te expressar que este amor em nós ungindo
Suportará toda distância sem problemas...

Quiçá, teus lábios sentirão um beijo leve
Como uma pluma a flutuar por sobre a neve,
Como uma gota de orvalho indo ao chão.

Lembrar-te-ás toda ternura que expressamos,
Sempre que juntos, a emoção que partilhamos...
Nem a distância apaga a chama da paixão.

Guimarães Rosa
Elegia

Teu sorriso se abriu como uma anêmona
entre as covinhas do rosto infantil.
Estavas de pijama verde,
nas almofadas verdes,
os pezinhos nus, as pernas cruzadas,
pequenina,
como um ídolo de jade
que teve por modelo uma princesa anamita.
Tuas mãos sorriam,
teus olhos sorriam,
o liso dos teus cabelos pretos sorria,
e mesmo me sorriste,
e foi a única vez...

Não pude calçar, com beijos os teus pezinhos,
e não pudeste caminhar para mim...
Mas é bem assim que os meus sonhos se possuem.

Guimarães Rosa
(1908-1967)

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Há uma hora certa,
no meio da noite, uma hora morta,
em que a água dorme.

Todas as águas dormem:
no rio, na lagoa,
no açude, no brejão, nos olhos d'água,
nos grotões fundos
E quem ficar acordado,
na barranca, a noite inteira,
há de ouvir a cachoeira
parar a queda e o choro,
que a água foi dormir...

Águas claras, barrentas, sonolentas,
todas vão cochilar.
Dormem gotas, caudais, seivas das plantas,
fios brancos, torrentes.
O orvalho sonha
nas placas da folhagem
e adormece.
Até a água fervida,
nos copos de cabeceira dos agonizantes...

Mas nem todas dormem, nessa hora
de torpor líquido e inocente.
Muitos hão de estar vigiando,
e chorando, a noite toda,
porque a água dos olhos
nunca tem sono...

Guimarães Rosa

Day That I Have Loved



Tenderly dia, que eu amei, eu fecho os olhos,
E suave sua testa calma, e dobrar o seu fino mãos mortas.
O cinzento véus de aprofundar a sua meia-luz, cor, morre.
Presto-lhe, um peso leve, ao envolta areias,

Onde está o seu barco à espera, por grinaldas do mar está fazendo
Mist-garlanded, com todas as ervas daninhas cinzento da água coroado.
Lá você vai ser estabelecidas, o medo do passado de sono ou a esperança de acordar;
E sobre o mar parado, sem som,
(..)


A curva de areias cinza antes de mim. . . .
Do interior prados,
Fragrante de junho e trevo, flutua no escuro, e preenche
Cara morto O mar oco com pouco sombras rastejando,
E o silêncio branco transborda o oco da serra.
......(..)
Silenciou todas as vozes alegres, e nós, que prendeu querida,
Leste e voltamos para casa, sozinho, lembrando-se. . .
Dia que eu amei, dia em que eu amava, a noite é aqui!

Rupert Brooke






Day That I Have Loved



Tenderly, day that I have loved, I close your eyes,
And smooth your quiet brow, and fold your thin dead hands.
The grey veils of the half-light deepen; colour dies.
I bear you, a light burden, to the shrouded sands,

Where lies your waiting boat, by wreaths of the sea's making
Mist-garlanded, with all grey weeds of the water crowned.
There you'll be laid, past fear of sleep or hope of waking;
And over the unmoving sea, without a sound,

Faint hands will row you outward, out beyond our sight,
Us with stretched arms and empty eyes on the far-gleaming
And marble sand. . . .
Beyond the shifting cold twilight,
Further than laughter goes, or tears, further than dreaming,
There'll be no port, no dawn-lit islands! But the drear
Waste darkening, and, at length, flame ultimate on the deep.
Oh, the last fire -- and you, unkissed, unfriended there!
Oh, the lone way's red ending, and we not there to weep!
(We found you pale and quiet, and strangely crowned with flowers,
Lovely and secret as a child. You came with us,
Came happily, hand in hand with the young dancing hours,
High on the downs at dawn!) Void now and tenebrous,

The grey sands curve before me. . . .
From the inland meadows,
Fragrant of June and clover, floats the dark, and fills
The hollow sea's dead face with little creeping shadows,
And the white silence brims the hollow of the hills.

Close in the nest is folded every weary wing,
Hushed all the joyful voices; and we, who held you dear,
Eastward we turn and homeward, alone, remembering . . .
Day that I loved, day that I loved, the Night is here!

Rupert Brooke


FORA DE PRUMO
.
Não quero ser
linha reta!
.
Não quero estar
no prumo.
Não quero estar
no nível.
.
Quero ser curvo!
.
Oswaldo Antônio Begiato

domingo, 29 de novembro de 2009

Realidade

Fomos longe demais, para voltar
Aos antigos canteiros onde há rosas.
Em nós, o ouvido, quase e, quase, o olhar
Buscam nas cores vozes misteriosas...

Mas o mistério é flor da juventude.
Não rima com poemas desumanos.
A idade — a nossa idade! — nunca ilude.
Só uma vez é que se tem vinte anos.

Quebrámos todos, todos os espelhos
E o sol que, neles, está hoje posto
Já não reflecte os lábios tão vermelhos
Que nos iluminam, sempre, o rosto.

Realidade? Há uma: apenas esta!
— Somos espectros na cidade em festa.

Pedro Homem de Mello, in "Eu Desci aos Infernos"

PAULA REGO