quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

O trem estacou, na manhã fria,
num lugar deserto, sem casa de estação:
a parada do Leprosário...

Um homem saltou, sem despedidas,
deixou o baú à beira da linha,
e foi andando. Ninguém lhe acenou...

Todos os passageiros olharam ao redor,
com medo de que o homem que saltara
tivesse viajado ao lado deles...

Gravado no dorso do bauzinho humilde,
não havia nome ou etiqueta de hotel:
só uma estampa de Nossa Senhora do Perpétuo
[ Socorro...

O trem se pôs logo em marcha apressada,
e no apito rouco da locomotiva
gritava o impudor de uma nota de alívio...

Eu quis chamar o homem, para lhe dar um
[ sorriso,
mas ele ia já longe, sem se voltar nunca,
como quem não tem frente, como quem só
[ tem costas...

Guimarães Rosa

Impaciência

(duas variações sobre o mesmo tema)

I

Eu queria dormir
longamente...
(um sono só...)
Para esperar assim
o divino momento que eu pressinto,
em que hás de ser minha...

Mas...
e se essa hora
não devesse chegar nunca?...
Se o tempo,
como as outras cousas todas,
te separa de mim?!...

Então...
ah! então eu gostaria
que o meu sono,
friíssimo e sem sonhos
(um sono só...)
não tivesse mais fim...

Se eu pudesse correr pelo tempo afora,
vertiginosamente,
futuro adiante,
saltando tantas horas tediosas,
vazias de ti,
e voar assim até o momento de todos os momentos,
em que hás de ser minha!...

Mas...
e se esse minuto faltar
nas areias de todas as ampulhetas?...
E se tudo fosse inútil:
a máquina de Wells,
as botas de sete léguas do Gigante?!...

Então...
ah!, então eu gostaria
de desviver para trás, dia por dia,
para parar só naquele instante,
e nele ficar, eternamente, prisioneiro...
(Tu sabes, aquele instante em que sorrias
e me fizeste chorar...)

Guimarães Rosa


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