sábado, 27 de março de 2010


Desmontar a casa
e o amor. Despregar
os sentimentos das paredes e lençóis.
Recolher as cortinas
após a tempestade
das conversas.
O amor não resistiu
às balas, pragas, flores
e corpos de intermeio.

Empilhar livros, quadros,
discos e remorsos.
Esperar o infernal
juízo final do desamor.

Vizinhos se assustam de manhã
ante os destroços junto à porta:
-pareciam se amar tanto!

Houve um tempo:
uma casa de campo,
fotos em Veneza,
um tempo em que sorridente
o amor aglutinava festas e jantares.

Amou-se um certo modo de despir-se
de pentear-se.
Amou-se um sorriso e um certo
modo de botar a mesa. Amou-se
um certo modo de amar.

No entanto, o amor bate em retirada
com suas roupas amassadas, tropas de insultos
malas desesperadas, soluços embargados.

Faltou amor no amor?
Gastou-se o amor no amor?
Fartou-se o amor?

No quarto dos filhos
outra derrota à vista:
bonecos e brinquedos pendem
numa colagem de afetos natimortos.

O amor ruiu e tem pressa de ir embora
envergonhado.

Erguerá outra casa, o amor?
Escolherá objetos, morará na praia?
Viajará na neve e na neblina?

Tonto, perplexo, sem rumo
um corpo sai porta afora
com pedaços de passado na cabeça
e um impreciso futuro.
No peito o coração pesa
mais que uma mala de chumbo.

Affonso Romano de Sant'Anna



Quisera tecer um tapete,
- Qual Penélope a esperar Ulisses -,
Com um tênue fio azul celeste:
A cor das mentiras que me dizes.

Milhares, porém, são meus enganos.
Infinitas, do amor, as possibilidades.
Demasiados, os meus pobres anseios
E as minhas tolas perplexidades,

Que, a cantar, me obrigam:
- na intensa e fria madrugada -
Uma canção desmesuradamente vâ:

Retrato de um amor banal;
Um desses, que se inventam do nada
E, sem nem começar, encontram ponto final.
J. L. Santos

Na terra de vento cego

acocorado no chão da lua dividida
verdes lágrimas vertem no silêncio do poema
meu gesto candente no luar aceso
meu sol apartado pela noite viva
verde,
em que acesas estrelas luzem fundo
mostrando suas garras
no meu mundo fora da pátria.
Contemplo o mar verde do universo
seus versos de luto no universo
da minha era
navegando lágrimas de defuntos
céleres nos milagres de vento
e me agacho para fugir da onda
negro, na terra de vento cego.


GUICHÊ

Os nossos castigos para a nossa compreensão
A nossa viagem ao encontro ...
Contemplação
Pontos distantes no mesmo espaço
O que se passa dentro dum coração?
O amor só produziu cansaço.
Nossas vidas e olhares entrecruzados
E tanto tempo num relógio sem lógica
Caminhos que já foram desbravados
E nem tomamos conhecimento.
Anseia coração por uma pitada de sentimento
E o ódio é o único alimento
Para se fazer o preparo
Do sentimento mais raro.
Quem ama sempre odiará
E se destilarmos sentimentos
Veremos se poderá
O mais gélido coração sofrer de encantamentos.
A vida é a lógica nua
Os sentimentos são as luzes sobre a nudez
As respostas não estão na terra ou na lua
Respostas: guichê ao lado, espere sua vez.

sexta-feira, 26 de março de 2010

















A Eterna Ausência

Eu aguardei com lágrimas e o vento
suavizando o meu instinto aberto
no fumo do cigarro ou na alegria das aves
o surgimento anónimo
no grande cais da vida
desse navio nocturno
que me trazia aquela com lábios evidentes
e possuindo um perfil indubitável,
mulher com dedos religiosos
e braços espirituais...

Aquela mulher-pirâmide
com chamas pelo corpo
e gritos silenciosos nas pupilas.

Amante que não veio como a noite prometera
numa suspensa nuvem acordar
meu coração de carne e alguma cinza...

Amante que ficou não sei aonde
a castigar meus dias involúveis
ou a afogar meu sexo na caveira
deste carnal desespero!...

António Salvado, in "A Flor e a Noite"


A Poesia

Difícil, estreita passagem,
força quente perscrutada,
corpo de névoa, de imagem,
com sulcos de tatuagem,
voz absoluta escutada...

Destino de aranha, tece
com fios vários da vida
alegria se amanhece
ou chora se a luz fenece
pela noite perseguida.

Intimidade exterior,
pureza de impuras formas,
conhecimento e amor,
água límpida, estertor,
sem regras feita de normas.

António Salvado, in "Difícil Passagem"


Nostalgia

A pequena flor
só que além nasceu
sonhou ser maior:
nada lhe valeu...

Na cova esquecida,
sol que desejou
não a bafejou,
bastarda da vida...

E era flor ou gente?
Esquecida imperfeita
numa dor silente
ali jaz desfeita!

António Salvado, in "Tropos"


Memória

I

Na cristalina, líquida presença,
crescente lua no abismo enquanto
o mar se cala, desconheço a margem
onde me espera no desejo
esguio do poente a deusa branca...

À ínfima visão dum lírio encosto
o meu soluço! O espaço é grande...
Não invoco o lugar mas a verdade
surge aquém da espera...

Gaivotas sussurrantes, deixo a música
morrer, pegadas frescas, desperdícios
quentes na relva da minha alma...

II

Quando se oculta julgando a noite
indefesa enorme, a fugidia
estrela me ilumina e desce!

Vem até mim, quebrada a natural
cadência do seu mundo, e cresce... cresce...
Tentáculos de luz me envolvem. Comovido,
aperto em minhas mãos o elanguescente
ardor do seu chegar...

III

Reconquisto agora o teu rosto, um horizonte,
silêncio de grito suspenso, labirinto,
mais desfeito
no hálito das nuvens...

Me surges tão sem ti
que envolve o dia a espessura deste longe...
E afogo assim na íntima, na única
beleza do teu rasto,
o meu soluço de água...

António Salvado, in "Recôndito"

quinta-feira, 25 de março de 2010

http://www.youtube.com/watch?v=MVQerG6HLKo


Estar Só é Estar no Íntimo do Mundo

Por vezes cada objecto se ilumina
do que no passar é pausa íntima
entre sons minuciosos que inclinam
a atenção para uma cavidade mínima
E estar assim tão breve e tão profundo
como no silêncio de uma planta
é estar no fundo do tempo ou no seu ápice
ou na alvura de um sono que nos dá
a cintilante substância do sítio
O mundo inteiro assim cabe num limbo
e é como um eco límpido e uma folha de sombra
que no vagar ondeia entre minúsculas luzes
E é astro imediato de um lúcido sono
fluvial e um núbil eclipse
em que estar só é estar no íntimo do mundo

António Ramos Rosa, in "Poemas Inéditos"

Amo-te no Intenso Tráfego

Amo-te no intenso tráfego
Com toda a poluição no sangue.
Exponho-te a vontade
O lugar que só respira na tua boca
Ó verbo que amo como a pronúncia
Da mãe, do amigo, do poema
Em pensamento.
Com todas as ideias da minha cabeça ponho-me no silêncio
Dos teus lábios.
Molda-me a partir do céu da tua boca
Porque pressinto que posso ouvir-te
No firmamento.

Daniel Faria, in "Dos Líquidos"



Amo-te nesta Ideia Nocturna da Luz nas Mãos

Amo-te nesta ideia nocturna da luz nas mãos
E quero cair em desuso
Fundir-me completamente.
Esperar o clarão da tua vinda, a estrela, o teu anjo
Os focos celestes que a candeia humana não iguala
Que os olhos da pessoa amada não fazem esquecer.
Amo tão grandemente a ideia do teu rosto que penso ver-te
Voltado para mim
Inclinado como a criança que quer voltar ao chão.

Daniel Faria, in "Dos Líquidos"


A Possibilidade de uma Ilha

Minha vida, minha vida, minha muito ancestral
Mal cumprido o meu primeiro voto
Repudiado o meu primeiro amor,
Precisei do teu retorno.

Precisei de conhecer
O que a vida tem de melhor,
Quando dois corpos brincam com a felicidade
E se unem e renascem sem fim.

Dominado por uma dependência total,
Sei o estremecimento do ser
A hesitação em desaparecer,
O sol que incide de través

E o amor, onde tudo é fácil,
Onde tudo é dado no momento;
Existe no meio do tempo
A possibilidade de uma ilha.

Michel Houellebecq, in "A Possibilidade de uma Ilha"


Amo-te nesta Ideia Nocturna da Luz nas Mãos

Amo-te nesta ideia nocturna da luz nas mãos
E quero cair em desuso
Fundir-me completamente.
Esperar o clarão da tua vinda, a estrela, o teu anjo
Os focos celestes que a candeia humana não iguala
Que os olhos da pessoa amada não fazem esquecer.
Amo tão grandemente a ideia do teu rosto que penso ver-te
Voltado para mim
Inclinado como a criança que quer voltar ao chão.

Daniel Faria, in "Dos Líquidos"

terça-feira, 23 de março de 2010







madredus


Poema de Amor

Se te pedirem, amor, se te pedirem
que contes a velha história
da nau que partiu
e se perdeu,
não contes, amor, não contes
que o mar és tu
e a nau sou eu.

E se pedirem, amor, e se pedirem
que contes a velha fábula
do lobo que matou o cordeiro
e lhe roeu as entranhas,
não contes, amor, não contes
que o lobo é a minha carne
e o cordeiro a minha estrela
que sempre tu conheceste
e te guiou — mal ou bem.

Depois, sabes, estou enjoado
desta farsa.
Histórias, fábulas, amores
tudo me corre os ouvidos
a fugir.

Sou o guerreiro sem forças
para erguer a sua espada,
sou o piloto do barco
que a tempestade afundou.

Não contes, amor, não contes
que eu tenho a alma sem luz.

...Quero-me só, a sofrer e arrastar
a minha cruz.

Fernando Namora, in "Relevos"

Paisagem

Desejei-te pinheiro à beira-mar
para fixar o teu perfil exacto.

Desejei-te encerrada num retrato
para poder-te contemplar.

Desejei que tu fosses sombra e folhas
no limite sereno dessa praia.

E desejei: «Que nada me distraia
dos horizontes que tu olhas!»

Mas frágil e humano grão de areia
não me detive à tua sombra esguia.

(Insatisfeito, um corpo rodopia
na solidão que te rodeia.)

David Mourão-Ferreira, in "A Secreta Viagem"


Labirinto ou não Foi Nada

Talvez houvesse uma flor
aberta na tua mão.
Podia ter sido amor,
e foi apenas traição.

É tão negro o labirinto
que vai dar à tua rua ...
Ai de mim, que nem pressinto
a cor dos ombros da Lua!

Talvez houvesse a passagem
de uma estrela no teu rosto.
Era quase uma viagem:
foi apenas um desgosto.

É tão negro o labirinto
que vai dar à tua rua...
Só o fantasma do instinto
na cinza do céu flutua.

Tens agora a mão fechada;
no rosto, nenhum fulgor.
Não foi nada, não foi nada:
podia ter sido amor.

David Mourão-Ferreira, in "À Guitarra e à Viola"

segunda-feira, 22 de março de 2010


Flor Azul

Com teu perfume
nesses lugares recônticos..
Quanto bela és, flor, nessas montanhas onduladas,
ó inconfundivel porte de tanta beleza
Montanhas, como as ondas do mar
onde o azul do céu , se espuma no branco das nuvens
e de entre tanta beleza, la estas tu linda flor
sempre para o sol virada
mesmo à luz das estrelas
a emanar o incenso do teu perfume
que atravessa oceanos e a paz embala
para quem te contemplar.

by Jorge Pereira



Cogito (Torquato Neto)

eu sou como eu sou
pronome
pessoal intransferível
do homem que iniciei
na medida do possível

eu sou como eu sou
agora
sem grandes segredos dantes
sem novos secretos dentes
nesta hora

eu sou como eu sou
presente
desferrolhado indecente
feito um pedaço de mim

eu sou como eu sou
vidente
e vivo tranqüilamente
todas as horas do fim.

Sonhos (Wenceslau da Cunha)

Sonhos. Afinal, o que é sonho?
Sonhar seria querer o impossível?
Sonho é querer? Que loucura!
Acho que sonho pode ser um...
Um, não; dois gritos da alma
E a alma grita? Que bobagem...
Imaginação, quero passagem
Preciso definir o que é sonho!
Se sonhar é lançar-se no espaço,
Sonho é mergulhar no infinito
Mergulhar no infinito? Que miragem...
Sonhar é a vontade de ver de novo
Não! Isso é definição de saudade
Está muito difícil, que crueldade!
Sonho seria o mesmo que devaneio?...
Se é, para que tanto rodeio!
Não sou poeta, para que tanta quimera!
Já sei, sonho é ter amizade sincera
É ter um grande amor nos braços
É esquecer todos os fracassos
É dar e receber beijos de ternura
É fazer do amor uma doce loucura
É nutrir sentimento bem definido
É sentir um amor não dividido
É sentir grande paixão no peito
É isso mesmo, falo do meu jeito
Nada de palavras da poesia cadente
É assim que eu sonho o meu sonho
Ah! sonho, você mata a gente!


Homens de Pedra (Josias Souza)

Estranho mundo deste ser feito do chão
Caminhando no asfalto, viajando nos foguetes
Atravessando o sideral espaço,
Enfrentando a imensidão.

Homem de pó, a quem o poder divino deu direito,
Brilha mais que ouro puro e refinado.
Por todas suas conquistas e seus feitos,
Acima da bestas e feras está seu reinado.

Sua ciência elimina as barreiras da atmosfera.
Mas que pena, depois de tudo isto a realidade
Sozinho e com medo se encontra frente à maldade,
Triste e amargurado a vaguear pela terra.

Prá que tanto orgulho entre próprios irmãos
Feitos por Deus para sua glória eterna,
Se ao partir deste mundo para o além
O corpo será submerso, engolido pela terra.

Espero que a pobre criatura se acorde
Prá viver na harmonia que do céu emana
E que o amor seja constante e forte
E o coração tão pequeno seja mais humano.

Pedras no Caminho (Josias Souza)

No caminho estão as pedras.
Do caminho são as pedras.

Elas podem servir de defesa,
Também como ataque podemos usá-las.
Podem dificultar nossos passos.
Mas se forem bem dispostas no chão,
Servirão de tapetes aos pés.

Não têm vida nem sentimentos,
São apenas instrumentos
Do bem ou do mal. Machucam-nos, se nos atiram,
E feridos que faremos?
Podem, porém ser alicerces
Para o mundo que construiremos,
Ou para calçar a estrada em que passaremos.

São tantas as pedras!
Se desistirmos, entre elas vamos morrer, e.
Se continuarmos vamos vencer?

Quando temos alegria, nem notamos,
Por cima delas passamos, as pedras!
Quando nos sentimos sós, a prova aumenta nossa dor,
Parece a testar nosso ardor.
Inertes, imóveis, gélidas,
Nos provocam a fé ou desespero.
Mas elas continuam mesmo assim no caminho.

No caminho estão as pedras.
Do caminho, são as pedras.

domingo, 21 de março de 2010





Fresca brisa que finalmente me levarias,
este sopro de alma ,longínqua e calada
e sempre de perto de mim ter-me-ias
leve, sem voz, sem tom, sem nada...

Hoje mesmo, se viesses a mim chorando,
o quão delicadamente, eu te abraçaria...
tua presença frágil como uma duna ao vento
com as minhas mãos ternamente te acariciaria

JP














Não Fora o Mar!

Não fora o mar,
e eu seria feliz na minha rua,
neste primeiro andar da minha casa
a ver, de dia, o sol, de noite a lua,
calada, quieta, sem um golpe de asa.

Não fora o mar,
e seriam contados os meus passos,
tantos para viver, para morrer,
tantos os movimentos dos meus braços,
pequena angústia, pequeno prazer.

Não fora o mar,
e os seus sonhos seriam sem violência
como irisadas bolas de sabão,
efémero cristal, branca aparência,
e o resto — pingos de água em minha mão.

Não fora o mar,
e este cruel desejo de aventura
seria vaga música ao sol pôr
nem sequer brasa viva, queimadura,
pouco mais que o perfume duma flor.

Não fora o mar
e o longo apelo, o canto da sereia,
apenas ilusão, miragem,
breve canção, passo breve na areia,
desejo balbuciante de viagem.

Não fora o mar
e, resignada, em vez de olhar os astros
tudo o que é alto, inacessível, fundo,
cimos, castelos, torres, nuvens, mastros,
iria de olhos baixos pelo mundo.

Não fora o mar
e o meu canto seria flor e mel,
asa de borboleta, rouxinol,
e não rude halali, garra cruel,
Águia Real que desafia o sol.

Não fora o mar
e este potro selvagem, sem arção,
crinas ao vento, com arreio,
meu altivo, indomável coração,

Não fora o mar
e comeria à mão,
não fora o mar
e aceitaria o freio.

Fernanda de Castro, in "Trinta e Nove Poemas"





Meditação

Às vezes, quando a noite vem caindo,
Tranquilamente, sossegadamente,
Encosto-me à janela e vou seguindo
A curva melancólica do Poente.

Não quero a luz acesa. Na penumbra,
Pensa-se mais e pensa-se melhor.
A luz magoa os olhos e deslumbra,
E eu quero ver em mim, ó meu amor!

Para fazer exame de consciência
Quero silêncio, paz, recolhimento
Pois só assim, durante a tua ausência,
Consigo libertar o pensamento.

Procuro então aniquilar em mim,
A nefasta influência que domina
Os meus nervos cansados; mas por fim,
Reconheço que amar-te é minha sina.

Longe de ti atrevo-me a pensar
Nesse estranho rigor que me acorrenta:
E tenho a sensação do alto mar,
Numa noite selvagem de tormenta.

Tens no olhar magias de profeta
Que sabe ler no céu, no mar, nas brasas...
Adivinhas... Serei a borboleta
Que vendo a luz deixa queimar as asas.

No entanto — vê lá tu!— Eu não lamento
Esta vontade que se impõe à minha...
Nem me revolto... cedo ao encantamento...
— Escrava que não soube ser Rainha!

Fernanda de Castro, in "Antemanhã"




Distância

Não vás para tão longe!
Vem sentar-te
Aqui na chaise-longue, ao pé de mim...
Tenho o desejo doido de contar-te
Estas saudades que não tinham fim.

Não vás para tão longe;
Quero ver
Se ainda sabes olhar-me como d'antes,
E se nas tuas mãos acariciantes,
Inda existe o perfume de que eu gosto.

Não vás para tão longe!
Tenho medo
Do silêncio pesado d'esta sala...
Como soluça o vento no arvoredo!
E a tua voz, amor, como se cala!

Não vás para tão longe!
Antigamente,
Era sempre demais o curto espaço
Que havia entre nós dois...
Agora, um embaraço,
Hesitas e depois,
Com um gesto de tédio e de cansaço,
Achas inconveniente
O meu abraço.

Não vás para tão longe!
Fica. Inda é tão cedo!
O vento continua a fustigar
Os ramos sofredores do arvoredo,
E eu ponho-me a pensar
E tenho medo!

Não vás para tão longe!
Na sombra impenetrada,
Como se agita e se debate o vento!...
Paira nas velhas ruínas do convento

Que além se avista,
A alma melancólica d'um monge
Que a vida arremessou àquela crista...

Céu apagado, negro, pessimista,
E tu sempre mais longe!...

Fernanda de Castro, in "Antemanhã"