sexta-feira, 26 de março de 2010



Memória

I

Na cristalina, líquida presença,
crescente lua no abismo enquanto
o mar se cala, desconheço a margem
onde me espera no desejo
esguio do poente a deusa branca...

À ínfima visão dum lírio encosto
o meu soluço! O espaço é grande...
Não invoco o lugar mas a verdade
surge aquém da espera...

Gaivotas sussurrantes, deixo a música
morrer, pegadas frescas, desperdícios
quentes na relva da minha alma...

II

Quando se oculta julgando a noite
indefesa enorme, a fugidia
estrela me ilumina e desce!

Vem até mim, quebrada a natural
cadência do seu mundo, e cresce... cresce...
Tentáculos de luz me envolvem. Comovido,
aperto em minhas mãos o elanguescente
ardor do seu chegar...

III

Reconquisto agora o teu rosto, um horizonte,
silêncio de grito suspenso, labirinto,
mais desfeito
no hálito das nuvens...

Me surges tão sem ti
que envolve o dia a espessura deste longe...
E afogo assim na íntima, na única
beleza do teu rasto,
o meu soluço de água...

António Salvado, in "Recôndito"

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