sábado, 25 de agosto de 2012

Pink Floyd _ Wish You Were Here

Coco Chanel


Metamorfose — de Gabrielle a Coco

Gabrielle Chanel, que se tornaria a essência da sofisticação francesa, nasceu num abrigo para pobres em Saumur, no Pays de la Loire, na França, numa tarde abrasadora de agosto de 1883. Ela descendia de uma família de camponeses que moravam nos limites de um bosque de castanheiras nas Cévennes, e foram obrigados pela praga da ferrugem a virar vendedores ambulantes. Gabrielle foi registrada com o sobrenome “Chasnel”. Possivelmente foi um erro do funcionário do cartório ou, mais provável, era essa a antiga grafia do sobrenome da família, alterada mais tarde para soar melhor. (O “s” adicional iria causar um pouco de confusão em documentos posteriores na polícia).
A mãe, Jeanne Devolle, solteira quando Chanel nasceu, e o pai, Albert Chanel, feirante, finalmente se casaram alguns anos depois. Nos doze anos anteriores à morte de Jeanne, o casal e os cinco filhos — três irmãs, Julia-Berthe, Gabrielle e Antoinette; e dois irmãos, Alphonse e Lucien — não tinham residência fixa, hospedando-se em espeluncas miseráveis enquanto Albert levava produtos para os mercados das vilas numa carroça. Quando Jeanne faleceu aos 33 anos, em 1895, Albert pôs os dois filhos para trabalhar numa propriedade rural e enviou Gabrielle, com doze, e as duas irmãs para a região inóspita de Corrèze, na França central. Lá, no orfanato do convento Aubazine, fundado no século XII por Étienne d’Aubazine, as irmãs Chanel fi caram sob a tutela de freiras.
Anos   depois,  pensando   nos   anos   humildes   no   convento, Chanel recordou: “Desde a infância, tive certeza de que haviam tirado tudo de mim, que tinha morrido. Soube disso aos doze anos. Pode-se morrer mais de uma vez na vida”.
Nenhum de seus biógrafos refletiu sobre o que teria sentido a menina Chanel em relação à vida no convento. Ela nunca falou sobre o período que passou com as freiras, nem sobre os longos anos de disciplina católica — o trabalho duro, a vida frugal. Na época, a doutrina e a teologia católicas davam ênfase ao pecado, à penitência e à salvação. Também sabemos que, na virada do século XX, instituições católicas como Aubazine doutrinavam os jovens a odiar os judeus. Chanel não era exceção. Era dada a frequentes acessos de antissemitismo. Marcel Haedrich, conhecido escritor francês e editor-chefe da revista de moda Marie Claire, relata uma conversa que teve com Chanel sobre seu livroEt Moïse créa Dieu [E Moisés criou Deus]. Ela lhe perguntou: “Por que Moisés? Você não acredita que essas velhas histórias ainda têm algum interesse, não é? Ou acha que os judeus vão gostar de sua história? Eles não vão comprar o livro!”. Quando a conversa migrou às novas butiques  de moda que se multiplicavam como cogumelos em Paris, Chanel disse: “Só tenho medo dos judeus e dos chineses, e mais dos judeus que dos chineses”. Haedrich comentou: “O antissemitismo de Chanel não era apenas verbal; mas veemente, antiquado e muitas vezes embaraçoso. Como todas as crianças de sua época, ela aprendeu o catecismo: os judeus não haviam crucificado Jesus?”.
Durante séculos, a doutrina cristã sustentou que os judeus tinham sido os assassinos de Cristo. Desde a Idade Média, os europeus pregavam que “os judeus trazem azar” e proibiam que eles ingressassem nas corporações e profissões liberais. Os judeus estavam banidos na Inglaterra na época de Shakespeare, considerados socialmente inferiores, aptos apenas para arrecadar impostos — não o tipo de trabalho que lhes traria a simpatia de famílias camponesas como os Chanel. Mais tarde, os nazistas e mesmo muitos europeus menos fanáticos acreditavam fervorosamente numa conspiração judaico-bolchevista, culpando os judeus pela invenção do comunismo.
Aos dezoito anos, Chanel se mudou para um pensionato feminino católico em Moulins. Naquele período, os franceses ainda discutiam o caso Dreyfus, escândalo que dividiu a França por quase dez anos. A saga se iniciou em 1894, com a prisão, julgamento e condenação por alta traição, com provas falsas, do capitão Alfred Dreyfus, um jovem oficial da artilharia francesa de origem alsácio-judaica. Condenado, Dreyfus foi desterrado para uma colônia penal na ilha do Diabo, na Guiana Francesa; mais tarde, passou por novo julgamento e finalmente foi absolvido em 1906. Reintegrado ao Exército francês com a patente de major, Dreyfus combateu honrosamente na Primeira Guerra Mundial, aposentando-se como tenente-coronel em 1919.
O caso Dreyfus pôs a nu as paixões antissemitas da época e a influência decisiva da Igreja católica e de seus aliados monarquistas e nacionalistas. Na adolescência de Chanel no convento e, depois, na comunidade católica em Moulins, “o antissemitismo estava em plena efervescência”. La Croix, jornal católico assuncionista de grande circulação, “atacava ferozmente os judeus”. Um típico porta-voz da posição da Igreja era o padre jesuíta Du Lac, guia espiritual do jornalista Édouard Drumont, autor de La France Juive [A França judaica]. Drumont cunhou o lema “A França para os franceses” — que ainda hoje ressoa na política francesa, em especial nas campanhas de Jean-Marie le Pen e sua filha Marine, agora líder do poderoso partido de extrema direita, Front National.
Chanel não teria como escapar à campanha de propaganda da Igreja católica contra o oficial judeu Dreyfus. Mais tarde, o medo e o ódio que alimentava pelos judeus se tornaram notórios e muito constrangedores — mesmo para os que abraçavam uma forma mais branda de antissemitismo.
Aos vinte anos, Chanel começou a trabalhar como costureira e, nas horas vagas, cantava num bar frequentado basicamente por oficiais da cavalaria. Lá ela se tornou “Coco”, nome extraído de uma cançoneta de seu repertório, ou talvez diminutivo de cocotte, termo francês para uma mulher sustentada por amantes.
Foram seus olhos negros ardentes, o corpo admirável, a beleza e a magreza quase infantis que acabaram cativando o coração de um rico ex-oficial, Étienne Balsan. Chanel pôs de lado agulhas, linhas, a coqueteria dos bares e a perspectiva de uma vida insípida. Aos 23 anos tornou-se amante de Balsan, morando nos três anos seguintes em seu castelo e haras em Compiègne, a 75 quilômetros de Paris. Na densa floresta de Compiègne, entre pântanos e charnecas, várzeas e lagoas, Chanel, o amante e seus amigos iam à caça nos cavalos do haras de Balsan, em trilhas antes usadas pelos reis da França.
Balsan, filho de uma rica família de industriais têxteis que forneciam uniformes ao Exército francês, providenciou que Chanel adquirisse sólida formação hípica — montando de lado e de frente — e lhe ensinou a administrar o haras. As fotos de Chanel a cavalo mostram seu porte altivo; numa, em especial, ela monta um belo baio de caça, com quepe e tranças, conduzindo-se com orgulho e segurança. Seu gosto por cavalos e seus dotes hípicos lhe seriam muito úteis anos depois, ao caçar com Hugh Grosvenor, duque de Westminster, conhecido como Bendor, e seus amigos, entre eles Winston Churchill e seu filho Randolph.

Ausência Fragmentada...

Ausência Fragmentada... (In Releitura)

Nos lençóis inertes vibra a dor

De sentimentos silenciosos.

Ao som do piano, ouço tua voz

E uma lágrima cai chamando a solidão.

É como se cada nota inspirasse

Em mim uma nostalgia, uma saudade.

Ou um passado distante...

Faço dos meus toques

Saudade de nossos corpos.

Das palavras gravadas na pele

Ecos indeléveis do nosso desejo.

Beijo-te neste lamento,

Onde as palavras saem

À procura do significado

Das loucuras de amor

Tatuadas no meu peito

Intimamente

impregnadas

No meu corpo.

___________________Vestall Lilith

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

A música e suas mulheres extraordinárias

A música e suas mulheres extraordinárias

 

Ah, as vozes femininas. Grandes sopranos ou vozes pequenas, não importa. Canções sublimes, emocionantes, na voz de mulheres que cantam as cores, a vida, os amores, os dissabores, a política ou apenas as rosas. A arte que vem de suas melodias, letras ou interpretações é capaz de elevar a música ao status quo do sublime. Nunca do medíocre.

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Como não compartilhar da vontade absurda de sentir de Fiona Apple em Every Single Night? Como não ter olhos e coração marejados pela repetição de "I just want to feel everything"?

Com uma vida complexa e uma alma genuinamente artística, nascida em família musical, a cantora americana carrega o peso da violência sexual sofrida, além de outros traumas, que se transformam em arte legítima. Em seu disco de estreia, uma canção, Sullen Girl, já mostrava a complexidade da alma de Fiona.

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Madonna, que reina absoluta em pistas de dança do mundo inteiro, controversa, comercial, tem uma vida que oscila entre a aclamação e a vaia, entre a adoração e o desprezo. Poucas artistas recebem defesas e ataques tão apaixonados como a eterna Material Girl. A música, inclusive, celebra a faceta provocadora de Madge, que faz uma arte afeita às volúpias, à luxúria, à carne, ao sexo e ao poder. Mesmo depois de sua conversão à Cabala, dos filhos e de ter se tornado escritora de livros infantis, Madonna continua fazendo da música um intrumento de choque. Um extraordinário instrumento.

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Maior soprano da história, Maria Callas é considerada a mais controversa artista do universo lírico. Conhecida por frequentes problemas com colegas, a artista tinha um temperamento tão forte quanto a força das personagens que costumava interpretar. Exagerada, buscava uma perfeição que beirava o caricato, mas que, da mesma maneira, lhe alçava ao adjetivo de "magnífica". Como Medea ou Gioconda, até hoje não apareceu uma interpréte que lhe faça sombra. Anna Netrebko, sem a parte das polêmicas, tem tentado (e conquistado) o posto de musa contemporânea do lírico, mas não existiu ainda e dificilmente surgirá alguém como Callas.

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"Prefiro a fama de esquisita à de ninfa sexy". Assim, minha cantora preferida, Björk, traçou um caminho musical à contramão do esperado. A islandesa, que levou um Prêmio Nobel da Música em 2010, se mostra unusual desde os 5 anos de idade, quando começou a cantar. Seu primeiro disco veio aos 12 anos de idade, Björk, incomum até mesmo seus maiores fãs. Diferente de outras cantoras, Björk tem uma vida pessoal discreta e sem (muitos) rompantes ou escândalos a se mesclarem à arte. Björk transita do rock ao jazz experimental, passando pelo universo eletrônico, inovando, com sucesso, a cada nova obra.

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Maior representante do estilo Chanson francês, Edith Piaf, de vida trágica, cantava de forma autobiográfica. Dizem que nasceu duas vezes na rua - dizem que nasceu numa calçada de Belleville - já que foi descoberta enquanto cantava pelas ruas de Pigalle, em Paris. Piaf foi mãe sem ser mãe, foi acusada de cumplicidade em crimes, sempre foi considerada feia (e era baixinha), teve amores controversos e levou cerca de dez anos para gravar sua primeira grande canção, La vie em rose. Dona da maior voz francesa de todos os tempos, Edith Piaf também fez incursões no cinema desde o início de sua carreira. Seus dramas a tornaram uma mulher triste, mas movida, até seus últimos dias, pela paixão e os excessos, de amores e morfina.

Des nuits d'amour à plus finir
Un grand bonheur qui prend sa place
Des ennuis des chagrins s'effacent
Heureux, heureux à mourir.

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Aretha Franklin foi eleita a maior cantora de todos os tempos pela Rolling Stone. A negra, gospel e rainha do soul tem uma voz que é considerada uma maravilha natural e patrimônio dos Estados Unidos. Na posse de Barack Obama, primeiro presidente negro dos Estados Unidos, Aretha Franklin cantou "My Country, 'Tis of Thee", uma das mais significativas canções sobre a liberdade, emocionando o mundo inteiro. Aretha merece os títulos, todos grandiosos, que carrega.

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Miss Peaches do R&B, Etta James, que morreu vítima de uma leucemia em janeiro deste ano, é a própria encarnação do título deste post, uma das mais extraordinárias mulheres na história da música. Viveu, como muitas destas musas, uma vida de excessos de drogas e romances que tornaram sua carreira instável. Instabilidade que não a impediu de gravar canções emocionantes, como At Last, título também do seu primeiro disco, e Blue Gardenia.

Beyoncé, na morte de Etta James, depôs:

"Etta James foi uma das maiores cantoras de todos os tempos. Eu sou muito sortuda em ter conhecido uma rainha. As contribuições dela para a música vão durar para sempre. Interpretá-la no cinema [Cadillac Records] me ensinou muito sobre mim mesma, e cantar sua música me inspirou a ser uma artista mais forte. Quando, sem esforço, ela abria a boca, era possível ouvir sua dor e triunfo."

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Pra mim, é impossível deixar Janis Joplin fora desta lista. A cantora foi a rainha do rock da minha adolescência, eram suas músicas que eu cantava nas rodinhas de violão e bebida barata, o símbolo da minha rebeldia, 30 anos após a sua. Janis Joplin viveu uma vida sem cortes, em versão do diretor, peitou a sociedade, atribuiu significado à vida sem amarras, viveu a mil e morreu aos 27 anos de idade, de overdose, ironicamente aprisionada pelos seus combustíveis de vida: o sexo, as drogas, o álcool e o rock'n'roll. Janis tinha consciência de que sua postura perante a vida a levaria embora mais cedo, mas assumiu esse risco.

O que foi sua maior canção, Piece of my heart.

 

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Nina Simone fugiu dos pais, pastores, pra cantar blues nos cabarés de New York. Sua vida de peitaços e transgressões começava aí. Ativista civil contra o racismo e a violência doméstica (era casada um policial que a espancava com frequência), interpretou canções que sempre foram manifestos políticos. Sua voz rouca e emocionada foi porta-voz de uma vida com causa e sentido. Nina Simone foi uma mulher extraordinária, de voz forte, de voz embargada de histórias. Diva da celebração.

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Gosto de pensar em Ella Fitzgerald como a mais pura das vozes femininas do século XX. Impecável, afinada, de alcance absoluto, a jazzista até hoje recebe tributos de artistas do mundo inteiro, pela sua capacidade de falar de amor encantadoramente. Ella, órfã, abandonou a escola, foi presa, passou por asilos e reformatórios e poderia ter se tornado uma sobrevivente, mas quando descobriu a arte, sua redenção foi absoluta. De poucas palavras, era a música a única a conseguir expiar sua alma doce. Parceira de Louis Armstrong, Quincy Jones, Dizzy Gillespie, Duke Ellington e todos os grandes nomes do jazz, Ella Fitzgerald foi primeira dama da sua vida.

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Patti Smith, a poetisa do punk, é um dos mais incríveis fôlegos da história do rock and roll. Feminista, pensadora e ousada, a cantora americana foi criada entre o ateísmo e teorias religiosas esdrúxulas. Abandonou cedo a escola pra criar uma história de desafios e criações geniais, em parceria com os mais autênticos artistas com os quais conviveu em toda sua vida. Aos 65 anos, Patti Smith ainda mostra uma força e uma incrível alma roqueira, mesmo depois de tantas perdas, acidentes, isolamentos e recomeços. "About a Boy", em homenagem a Kurt Cobain é de uma emoção inexplicável. Aliás, essa mulher é absurdamente extraordinária. Na minha lista de leituras está Só Garotos, sua biografia. Atualmente, Patti anda mais política do que nunca e não tem permanecido calada sob quaisquer assuntos e causas, especialmente em seu país.

 

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Billie Holiday, ou Lady Day, é uma das maiores vozes femininas do jazz. É impossível não se dobrar de ternura ao ouvi-la. Billie, que desde cedo conviveu com as violências da pobreza e a violação de sua própria sexualidade, foi sexualmente abusada aos 10 anos e aos quatorze, já se prostituía. O canto, alguns anos mais tarde, foi sua salvação. Ao menos da miséria social e econômica, porque Billie Holiday nunca se salvou dos seus traumas. O álcool e as drogas lhe acompanharam e levaram dessa vida.

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Por fim, acaba de completar um ano da morte da britânica Amy Winehouse, aquela que me emocionou em inúmeros momentos nessa sua breve vida. Amy, que aos 27 anos, foi derrubada pelos excessos, deixando dois discos como herança musical, "Frank" e "Back to Black". Na música, na moda e na vida, Amy Winehouse, brevíssima, definitivamente se tornou história, ícone e referência, de Adele a Lady Gaga.

As extraordinárias mulheres da música são um sem número. De vozes e almas distintas, de nacionalidades diversas, de inúmeros estilos, de todos os timbres, elas são apenas elas.

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Sergio Larraín - O Personagem Fatal

 

 

Sergio Larraín foi um dos fotógrafos mais importantes da América Latina, suas fotos nos levam à um Chile que parece ter sido criado pelas palavras de Pablo Neruda, mas se as suas imagens saíram de um livro, sua vida se confunde o tempo todo com a literatura: seduzir a filha de um mafioso, ser um exímio atirador de facas na Paris dos anos 60 e ter uma de suas histórias transformadas no filme Blow up de Antonioni são alguns dos capítulos dessa biografia romanceada.

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© Sérgio Larraín, "Copetinera de Valparaíso" (Flickr).

Valparaíso é daquelas cidades imaginárias. Nunca pisei no seu solo, mas sei como andar por suas vielas, conheço a sua geografia acidentada e alguns dos seus desconhecidos habitantes me levam para passear. Como nas narrativas sedutoras que Marco Polo fazia ao imperador mongol Kublai Khan, no livro As Cidades Invisíveis de Ítalo Calvino, é impossível não se apaixonar por Valparaíso ao ver as fotografias de Sergio Larraín.

O fotógrafo que não queria ser engenheiro, deixou a faculdade de Engenharia Florestal para se dedicar ao uso da sua Leica IIIC. Dedicou menos de 20 anos à fotografia, mas foi o suficiente para tornar-se um dos melhores fotógrafos da América Latina e entrar para o staff da agência Magnun por convite de nada mais nada menos que Henri Cartier Bresson.
Larraín nasceu em Santiago no Chile, em 1931. Seu conterrâneo, o escrito Roberto Bolaño, o definiu como “O Personagem Fatal” devido à sua vida cercada de mistérios e histórias que parecem retiradas de livros de aventuras. Entre outras coisas, dizem que a primeira tarefa que recebeu ao começar a trabalhar na Magnum, foi a de fotografar o chefe da máfia siciliana Giuseppe Russo, tarefa quase impossível. Vem daí também a história de que teria, quem sabe para conseguir a tal fotografia, seduzido a filha do mafioso.

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© Sérgio Larraín, "Bella en el Lupanar de Valparaíso" (Flickr).

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© Sérgio Larraín, "Inocencia de Valparaíso" (Flickr).

Seus trabalhos estamparam capas das mais importantes publicações de sua época: Life, Paris Match e até a brasileira Cruzeiro. Sua lente se voltava, sobretudo, para a pobreza e a miséria. Em Valparaíso, sua Macondo real, o fotógrafo capturou a cidade em todos os seus prismas: a rica boemia noturna, o passeio de desconhecidos pelas ruelas íngremes da cidade, o porto e sua agitação, mas foi com as imagens pungentes de meninos que viviam sob a ponte do rio Mapocho que ele mais se destacou.

Um dos seus trabalhos mais importantes só faz aumentar a aura de mistério que o cerca: o fotolivro El Retangulo em la mano (1963) teve sua edição toda jogada ao lixo depois que o próprio Sergio rasgou 2 das 17 fotos de todos os exemplares. Por isso, encontrar um exemplar da obra é raríssimo.

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© Sérgio Larraín, "Los siete espejos de Valparaíso I" (Flickr).

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© Sérgio Larraín, "Los siete espejos de Valparaíso II" (Flickr).

Os enigmas pareciam mesmo querer persegui-lo onde quer que fosse. Em uma sessão de fotos que fez nos arredores da catedral de Notre Dame, em Paris, capturou algumas imagens que depois de passarem por inúmeras ampliações revelaram um mistério. Esse enredo lhe parece familiar?

E é familiar à todos aqueles que já leram o conto Las Babas del Diablo, do argentino Julio Cortázar. Na história, o fotógrafo Roberto Michel, um franco-chileno se envolve em um mistério enquanto fotografava em um domingo. A realidade se mistura à dúvida e à ficção, já que ao final fica a cargo do leitor tirar suas próprias conclusões sobre o acontecido.
Para os que não conhecem o conto, o enredo pode lembrar o filme Blow up de Michelangelo Antonioni, que vem da mesma origem, já que foi baseado no conto de Cortázar e consequentemente na fantástica história vivida por Larraín.

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© Blow Up.

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© David Hemmings em Blow Up.

Com uma vida envolta em névoa como a desse chileno, o final não poderia ser comum. Ainda no final dos anos 60, ele conheceu o boliviano Oscar Ichazo, fundador da Teoria Arica que consiste em uma filosofia que busca o desenvolvimento espiritual e a iluminação do ser humano. Assim, mesmo estando no auge de sua carreira como fotógrafo, Sergio Larraín abandonou as câmeras e se isolou no interior da província de Ovalle, no Chile. E lá viveu longe de todo o glamour anterior e de todo o contato com a mídia até fevereiro deste ano, quando faleceu aos 81 anos.

O fotógrafo que revelou um Chile mítico deixou mais que imagens. Com tantos detalhes insondáveis na sua vida, ele nos deixa na dúvida: existiu mesmo ou foi criado por algum escritor de romances?

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© Sérgio Larraín, "Muelles de Valparaíso" (Flickr).

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© Sérgio Larraín, "Calles de Valparaíso" (Flickr).

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© Sérgio Larraín, "Don Alberto y los niños de Mopocho" (Flickr).