sábado, 15 de maio de 2010

Blues brancos

Trabalho infantil: a América a preto e branco


Trabalho infantil: a América a preto e branco
The american dream - o sonho americano. É impossível não evocar a imagem da Estátua da Liberdade à entrada do porto de Nova Iorque a acolher os emigrantes que deixaram os seus lares distantes à procura de uma vida melhor no Novo Mundo. Vinham de todas as idades. Muitos chegavam ainda crianças, ao colo dos seus pais, olhando à volta para o ambiente estranho e fantástico da grande cidade. Desde logo começavam a trabalhar e a procurar, no fundo, a sua oportunidade na terra de todas as oportunidades.
Mais por necessidade do que por ambição, desde tenra idade os futuros americanos davam à sua nação o seu esforço e a sua juventude numa época em que as crianças eram adultos pequenos e em que o trabalho infantil era um privilégio. A América cresceu tanto à custa dos emigrantes como das suas crianças, adultos à força que não tiveram tempo de brincar.


Lembremo-nos das imagens cruas dos meninos de "Era uma vez na América", de Sergio Leone, das atribulações dos recém-chegados retratadas com ironia em "Os imigrantes", de Charles Chaplin, para falarmos apenas em termos de cinema; mas lembremo-nos também das fotografias de Alfred Stieglitz ou de Dorothea Lange, dois nomes consagrados. Menos conhecido foi Lewis Hine que dedicou grande parte da sua actividade de fotógrafo a documentar cenas de trabalho infantil nos EUA.

Entre 1908 e 1912 Hine registou com a sua câmara aquilo que chamou rostos da juventude perdida: crianças de todas as idades, algumas de apenas cinco anos, em trabalhos de gente crescida. E não se julgue que eram trabalhos leves - pelo contrário. Encontramos meninos e meninas nas fábricas, no comércio, nas pescas, nas minas, desde o amanhecer até ser noite cerrada, por vezes mais de doze horas... O fotógrafo conheceu-os todos: Michael, Manuel, Camille, Pierce. Conheceu as histórias de cada um. Posaram para ele, às vezes com o orgulho ingénuo de quem se julga gente grande, embora nos seus olhos estivesse toda a tristeza do mundo. As imagens são lancinantes; não se consegue fixá-las sem uma ponta de comoção.

Algumas destas crianças não passaram da sua meninice. Outras sobreviveram, cresceram e prosperaram, mergulhando fundo na embriaguez do grande sonho americano.

Tema de Era uma vez na América - Ennio Morricone (excerto)





sexta-feira, 14 de maio de 2010

Banksy



FOTO HOMEM COM FLORES

No Reino Unido, todo mundo o conhece, mas ninguém sabe quem ele é. Seu nome de guerra é Banksy. Ele é hoje o grafiteiro mais famoso da Europa e talvez do mundo. Suas obras são marcadas pela ironia, a crítica e a tiração de sarro mais descarada. Provocador, fenômeno pop e criminoso, agora, esse incrível artista também vai se tornar conhecido do público do resto da Europa e dos Estados Unidos com o documentário Exit Through The Gift Shop, o qual, segundo disse o próprio Banksy é “o primeiro filme-catástrofe de arte de rua”.

No filme, a rotina de Banksy é acompanhada pelo documentarista francês Thierry Guetta, o qual o seguiu em seu noturno e ilegal trabalho artístico. O longa segue uma linha à Sacha Baron Cohen. É uma espécie de tiração de sarro em forma de documentário. Como os melhores anarquistas, Banksy conseguiu brincar com o mundo idiota e sem sentido das celebridades. Hoje, ele é uma delas. Só que ao contrário desse pessoal que faz qualquer negócio para mostrar a cara, Banksy não aparece nunca. No filme, seu rosto está sempre desfocado e o som de sua voz parece uma mistura de Darth Vader com Tetê Spínola.

De certa forma, Exit Through The Gift Shop conta um pedaço da história da arte de rua nos anos 1990 no Reino Unido, parte da carreira do artista e sua maneira de trabalhar. Também fala a respeito de um novo e forte movimento de arte de rua em Los Angeles, nos EUA. Em sua estréia no Festival de Berlim, em fevereiro deste ano, Bansky disse que gostaria que o filme representasse para a arte de rua o que Karatê Kid representou para as artes marciais. Portanto, a idéia do grafiteiro é popularizar ainda mais sua arte.

Quem assiste o filme, sai do cinema sem saber exatamente o que pensar. Como o diretor Thierry Guetta é meio maluco e um tanto quanto picareta, não sabemos se o filme foi realmente uma idéia dele ou se ele foi utilizado pelo grafiteiro como uma espécie de “diretor de fachada”. Também não dá para saber o que é verdade e o que não é. Se Banksy é o artista que aparece sempre com o rosto coberto na tela ou se é tudo uma grande piada. O “diretor” francês jura de pé junto que foi ele quem conduziu as filmagens. No fundo, sentimos que o espírito de Banksy pode realmente estar por trás de tudo. Depois de pensar um pouco, percebemos que o filme pode ser entendido como primeiro grafite na tela branca do cinema. Tão fugaz e ao mesmo tempo eterno quanto as brilhantes obras de Banksy.

Terry Rodgers



Todos os dias, os media divulgam os retratos da vida perfeita dos protagonistas do jet-set. As festas fabulosas, as roupas que todos nós gostaríamos de ter e não podemos comprar, a conjugação perfeita entre a beleza e a juventude.
O norte-americano Terry Rodgers desconstrói esse mundo de luxo e prazer através de uma representação hiper-realista e dinâmica de figuras, corpos e cenários em telas de grandes dimensões.

E se as personagens presentes nas pinturas a óleo do artista não poderiam parecer mais reais, há simultaneamente um apelo ao subconsciente que invade a sua arte: as composições de Terry Rodgers não são documentais; são antes ficções cuidadosamente construídas, em que o jogo de corpos, poses e expressões não é deixado ao acaso.
A sociedade actual é a grande protagonista dos quadros de Terry Rodgers, onde a promiscuidade emerge como tentativa desesperada - e falhada - de estabelecer contactos, relações com o mundo exterior, ilustrando a profunda solidão dos nossos tempos. Esta é uma geração vulnerável, que já não tem medo de expôr o corpo porque não sabe como expressar o seu interior.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Pedro Homem de Mello

Os Poetas

Nunca os vistes
Sentados nos cafés que há na cidade,
Um livro aberto sobre a mesa e tristes,
Incógnitos, sem oiro e sem idade?

Com magros dedos, coroando a fronte,
Sugerem o nostálgico sentido
De quem rasgasse um pouco de horizonte
Proibido...

Fingem de reis da Terra e do Oceano
(E filhos são legítimos do vício!)
Tudo o que neles nos pareça humano
É fogo de artifício.

Por vezes, fecham-lhes as portas
— Ódio que a nada se resume —
Voltam, depois, a horas mortas,
Sem um queixume.

E mostram sempre novos laivos
De poesia em seu olhar...

Adolescentes! Afastai-vos
Quando algum deles vos fitar!

Pedro Homem de Mello, in "O Rapaz da Camisola Verde"

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Natalie Merchant


Os 10,000 Maniacs iniciaram-se no mundo da música no inicio da década de 80, com um alinhamento que repartia o talento vocal de Natalie Merchant com John Lombardo, Robert Buck, Steven Gustafson, Dennis Drew e Jerry Ausugstyniak. These are days é uma daquelas músicas felizes que inspira recordaçõe



these are days you'll remember

never before and never since, I promise
will the whole world be warm as this
and as you feel it, you'll know it's true
that you are blessed and lucky
it's true, that you are touched by something
that will grow and bloom in you

these are days you'll remember

when May is rushing over you with desire
to be part of the miracles you see in every hour
you'll know it's true, that you are blessed and lucky
it's true, that you are touched by something
that will grow and bloom in you

these are the days
that you might fill with laughter
until you break

these days you might feel a shaft of light
make its way across your face
and when you do
you'll know how it was meant to be
see the signs and know their meaning

you'll know how it was meant to be
hear the signs and
know they're speaking to you
to you
Solidão

Aproximo-me da noite
o silêncio abre os seus panos escuros
e as coisas escorrem
por óleo frio e espesso

Esta deveria ser a hora
em que me recolheria
como um poente
no bater do teu peito
mas a solidão
entra pelos meus vidros
e nas suas enlutadas mãos
solto o meu delírio

É então que surges
com teus passos de menina
os teus sonhos arrumados
como duas tranças nas tuas costas
guiando-me por corredores infinitos
e regressando aos espelhos
onde a vida te encarou

Mas os ruídos da noite
trazem a sua esponja silenciosa
e sem luz e sem tinta
o meu sonho resigna

Longe
os homens afundam-se
com o caju que fermenta
e a onda da madrugada
demora-se de encontro
às rochas do tempo

Mia Couto, in "Raiz de Orvalho e Outros Poemas"

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Allan Holdsworth-ex Soft Machine



Allan Holdsworth: a alma do jazz rock e fusion


Ele é um dos maiores guitarristas de todos os tempos, mas são poucos os que conhecem sua obra. Allan Holdsworth, apesar de tocar um instrumento extremamente pop, não está nas paradas de sucesso. Seus discos são obras primas do jazz rock e do fusion. Sua técnica, baseada principalmente no legato, é uma das mais apuradas no mundo da música. Mesmo assim é muito raro ouvir uma de suas faixas no rádio, seja no Brasil, seja no Reino Unido, país onde ele nasceu.

Discos como Metal Fatigue e Heavy Machinery são clássicos modernos. Na verdade, desconhecer o trabalho de Holdsworth é uma espécie de crime para os apreciadores de música. A riqueza harmônica de suas composições e os complicadíssimos solos feitos sobre elas são obrigatórios no currículo de qualquer um que goste das tendências mais contemporâneas do jazz, como o fusion e o jazz rock.

Este pacato inglês de Bradford recebeu suas primeiras aulas do pai, que era um músico amador. Depois, já um virtuose em seu instrumento, ele foi convidado por um dos maiores saxofonistas ingleses, Ray Warleigh, para tocar em Londres.

Nos anos 1970, ele deu início à sua frutífera carreira solo. Nos anos 1980, ele foi um dos primeiros músicos a utilizar um SynthAxe, instrumento que era uma mistura de guitarra e sintetizador. Nos anos 1990, ele já era uma das figuras mais importantes da história do jazz rock e do fusion.



Sem dúvida nenhuma, Allan Holdsworth é um dos mais criativos guitarristas, suas músicas são marcadas por complexas e, muita vez, impossíveis progressões e improvisações. O som limpo produzido por sua técnica de legato é inconfundível.

Além de sua inegável qualidade musical, Holdsworth também é responsável por várias inovações tecnológicas da guitarra. Suas experimentações não se limitam apenas ao campo musical, ele sempre está buscando novas possibilidades técnicas no instrumento.

Por esses e outros motivos, sua obra levou a capacidade desse instrumento para locais jamais imaginados. Alguns dos acordes que ele executa só podem ser ouvidos em suas músicas simplesmente porque outros músicos não são capazes de fazê-los. A obra de Holdsworth ampliou muito as possibilidades de improvisação da guitarra e levou o jazz rock e o fusion para campos harmônicos nunca dantes navegados.

Hoje, com 62 anos e com contrato assinado com o selo de outro guitarrista, o norte-americano Steve Vai, Holdsworth está trabalhando no CD Snakes and Ladders, o qual deve ser lançado nos próximos meses.

No mundo do jazz rock e do fusion são muitos aqueles que aguardam sedentos pelo novo disco desse sensacional guitarrista.

domingo, 9 de maio de 2010

RAKU


Raku: a cerâmica para além do barro

O raku é uma técnica cerâmica originária do Japão, onde surgiu no século XVI, sendo desde logo associada à cerimónia do chá. Daí que, tradicionalmente, tenha sido utilizada sobretudo em taças (ou chávenas) e outros objectos ligados a esta tradição. Tanaka Chojiro foi o ceramista japonês que a desenvolveu. Em 1920, o ceramista Bernard Leach introduziu esta técnica no Ocidente, e desde então ela vulgarizou-se, assumindo também novas características. No entanto, ainda hoje os descendentes da família japonesa a quem foi conferido há séculos o selo oficial do 'raku' defendem ser dos poucos a manter a essência genuína do raku.

Peça de raku datada do século XVI, usada para beber chá (Museu Nacional de Tóquio). Foto de Chris73, licença CC-SA 2.5
A verdade é que muitas peças de raku, sobretudo as mais antigas, têm uma simplicidade e um certo número de imperfeições que as distinguem conceptualmente das peças que hoje fazemos, e que tornaram difícil aos primeiros ocidentais que entraram no Japão, nos séculos XVI e XVII, compreender o elevado valor que as peças atingiam - ou, simplesmente, entender como conseguiam os japoneses distinguir aquele tipo de peças de outras feitas com diferentes técnicas. Quem olha pode ver apenas uma taça meio tosca e escura. Mas estas características prendem-se com a filosofia zen e a função com que as peças eram utilizadas.

Fazer raku é uma experiência que envolve os quatro elementos, o que a torna poderosa mesmo para quem, como eu, é pouco sensível a misticismos. Terra, ar, fogo e água - todos contribuem para o resultado final.
Começa-se por modelar uma peça de barro poroso, cozendo-a a uma temperatura não muito elevada. Depois, aplica-se o vidrado na peça, e leva-se esta de novo ao forno, a uma temperatura de 800 a 1000 graus.
Atingida esta temperatura, as peças são retiradas ainda incandescentes do forno e colocadas numa atmosfera redutora - isto é, num ambiente com pouco oxigénio. Na prática, isto equivale a mergulhá-las numa substância orgânica como a serradura (embora seja possível utilizar outros materiais). É nesta altura que por vezes surge alguma chama; é necessário tapar rapidamente o recipiente da serradura, e deixa-se a peça ficar ali durante alguns minutos. O fumo que vai escapando neste processo é um lençol espesso, quase viscoso, amarelado e muito tóxico. Daí que seja necessário usar máscara, para além de outros equipamentos para protecção do calor.

Na terceira fase do processo, a peça é retirada da serradura e rapidamente mergulhada em água. Muitas vezes está ainda suficientemente quente para que se liberte vapor. A sensação, deliciosa, é a de que estamos a brincar com um caldeirão de bruxas.
Quando a peça já está suficientemente arrefecida para podermos pegar-lhe, é retirada da água (uma sopa escura, com farripas de carvão a boiar) e esfregada de maneira a retirar a serradura carbonizada que ficou agarrada.

Todas estas acções permitem criar efeitos singulares: craquelês, brilhos e texturas especiais, e que - aí reside a magia - apenas em parte são controláveis. Não é possível fazer duas peças de raku iguais, já que não se consegue ter sempre exactamente as mesmas circunstâncias. A porosidade do barro, a quantidade de vidrado e a forma como este se aplica, a temperatura do forno, a madeira de que é feita a serradura, a temperatura da peça, o contacto maior ou menor da superfície da peça com a serradura, o tempo de imersão em água - um instante a mais ou a menos, e abrem-se mais uma rachas, o verde fica mais azul, o brilho fica mais ou menos intenso. As zonas da peça onde não foi colocado vidrado ficam totalmente pretas, o que permite criar contrastes muito interessantes com o vidrado branco, sobretudo quando há craquelê.

Mais do que outras técnicas cerâmicas, o raku é um misto de culinária e alquimia, e um prazer para quem gosta de surpresas. Apenas depois de esfregar pacientemente a peça sabemos como vai ela ficar. A minha tigela (que, por azar, parti logo no dia em que a fiz) ainda hoje cheira a fumo. Mas olhar para ela é um prazer: o mesmo vidrado deu tons de cobre, verde e azul egípcio; mais do que uma peça de barro, parece estar cheia de coisas vivas, como um ecossistema mineral.