segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010



A Secreta Viagem

No barco sem ninguém, anónimo e vazio,
ficámos nós os dois, parados, de mão dada...
Como podem só dois governar um navio?
Melhor é desistir e não fazermos nada!

Sem um gesto sequer, de súbito esculpidos,
tornamo-nos reais, e de madeira, à proa...
Que figuras de lenda! Olhos vagos, perdidos...
Por entre nossas mãos, o verde mar se escoa...

Aparentes senhores de um barco abandonado,
nós olhamos, sem ver, a longínqua miragem...
Aonde iremos ter? — Com frutos e pecado,
se justifica, enflora, a secreta viagem!

Agora sei que és tu quem me fora indicada.
O resto passa, passa... alheio aos meus sentidos.
— Desfeitos num rochedo ou salvos na enseada,
a eternidade é nossa, em madeira esculpidos!

David Mourão-Ferreira, in "A Secreta Viagem"

1 comentário:

  1. Agora sei que és tu quem me fora indicada.
    O resto passa, passa... alheio aos meus sentidos.
    — Desfeitos num rochedo ou salvos na enseada,
    a eternidade é nossa, em madeira esculpidos!

    será que existe?
    os poetas,os ébrios sempre acreditam,eu acredito!!!
    sem ser piegas.
    sou uma eterna sonhadora,mas sem mediocridade!
    beijos da Cris.

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