terça-feira, 30 de março de 2010





O horizonte das palavras

Sem direcção, sem caminho

escrevo esta página que não tem alma dentro.

Se conseguir chegar à substância de um muro

acenderei a lâmpada de pedra na montanha.

E sem apoio penetro nos interstícios fugidios

ou enuncio as simples reiterações da terra,

as palavras que se tornam calhaus na boca ou nos meus passos.

Tentarei construir a consistência num adágio

de sílabas silvestres, de ribeiros vibrantes.

E na substância entra a mão, o balbucio branco

de uma língua espessa, a madeira, as abelhas,

um organismo verde aberto sobre o mar,

as teclas do verão, as indústrias da água.

Eu sou agora o que a linguagem mostra

nas suas verdes estratégias, nas suas pontes

de música visual: o equilíbrio preenche os buracos

com arcos, colinas e com árvores.

Um alvor nasceu nas palavras e nos montes.

O impronunciável é o horizonte do que é dito.



António Ramos Rosa



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