sábado, 6 de agosto de 2011

Amy Winehouse

O dia em que eu... soube que Amy Winehouse tinha morrido -

O dia em que eu... soube que Amy Winehouse tinha morrido

A morte é sempre uma tragédia, sobretudo quando rouba à vida o tempo das grandes realizações. Foi assim com Amy Winehouse, tal como tem sido assim com dezenas de outras estelas desde que a cultura pop tal como hoje a conhecemos foi inventada, algures entre o abanar de ancas teledifundido de Elvis Presley e a primeira aterragem dos Beatles em Nova Iorque perante um batalhão de fotógrafos. Estrelas como Amy nascem, vivem e morrem sob os holofotes, sem a possibilidade de nenhum recato. Claro que, na esmagadora maior parte dos casos, as escolhas que colocam estas estrelas perante tal exposição são quase sempre da sua própria responsabilidade. O jogo da fama, é fácil de perceber, pode ser viciante e esvaziar qualquer possibilidade de fuga. E depois é fácil dizer que já todos vimos este filme. Eu já vi este filme.

A morte de Amy Winehouse voltou a levantar algumas questões, recorrentes nestes casos. Mede-se o grau de previsibilidade ou de choque perante a notícia, tenta-se perceber se o caminho que conduziu a tal desfecho era ou não claro e depois amplificam-se as emoções através de artigos, reportagens, evocações. E mesmo que o filme se vá repetindo, a verdade é que há sempre diferentes nuances a recortar o carcter singular de cada uma destas histórias: a morte de Amy não foi igual à de Michael Jackson, que pouco ou nada teve a ver com a de Kurt Cobain, e por aí adiante. Reduzir a morte de artistas pop de primeira linha a um estereótipo seria aliás a maior desonra à sua memória, por muito que haja coincidências na idade, nos desfechos ou nos vícios e nas virtudes que todos ostentaram em vida. Os fantasmas que atormentavam Kurt não eram certamente os mesmos que empurraram Amy para o abismo, por muito que ambos tenham tomado as mesmas substâncias. Inegável, porém, é que ambos produziram música que definiu momentos específicos no tempo, música que possui aquela rara capacidade de sobreviver ao tempo e de projetar a memória dos seus autores no futuro. Quase como se Amy, Kurt e outros tenham decidido viver naquelas canções e em mais lugar nenhum.

E isso obriga-nos a pensar no que sentimos, quando estas notícias são divulgadas. Em conversa recente com um amigo, numa estação de rádio, fiquei a saber que ele chorou com a notícia da morte de Amy e com a de Gil Scott-Heron em maio último. Eu não posso dizer que tenha vertido uma lágrima sequer, nem num caso, nem no outro. E não sou propriamente um tipo empedernido: a quantidade de filmes de família com cãezinhos perdidos ou amantes desavindos ou pais e filhos reencontrados ou que quer que seja que me fazem verter lágrimas como uma Maria Madalena é prova clara disso. O mesmo na música: o "I'm So Lonesome I Could Cry" na voz dos Cowboy Junkies (aliás, todo o Trinity Session ), o "Hallelujah" do Leonard Cohen, o Songs fro Drella de John Cale e Lou Reed, o "Martha" do Tom Waits, o Dummy dos Portishead, o A Love Supreme de Coltrane... a lista é enorme. Todos esses discos têm a estranha capacidade de alagar o meu olhar e nalguns casos precisamente por causa disso até evito ouvi-los. E no entanto, apesar de nunca ter sido dado a poupanças no departamento das lágrimas, nada. Nem no fim-de-semana de visita familiar em que soube do que tinha sucedido a Amy, nem no passeio pelos labirintos do Facebook, quando fui surpreendido na esquina de um post qualquer com a notícia da morte de Gil. Porquê?

A resposta é muito simples: eu não os conhecia, conhecia somente alguma da música que fizeram e por muito que essa me tenha tocado, e tocou, em ambos os casos, não me atreveria a presumir que os conheço e que lhes vou sentir a falta. Da música sim, mas essa é uma razão egoísta, que não merece lágrimas. E de alguma maneira sinto, mesmo, que essa ausência de lágrimas pode até ser a mais sentida homenagem que lhes posso fazer. É que tudo lhes aconteceu em público: o nascimento, as dores de crescimento, os dramas de coração, a lenta ou rápida agonia da degradação, a morte. Permitir que as respetivas famílias chorem em privado, sem o eco de milhares de desconhecidos que querem fazer o mesmo, é mesmo o mínimo que podemos fazer nessas alturas. E depois, garantir que a música não pára de tocar.

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