quinta-feira, 24 de março de 2011

Era uma vez…..

José Sócrates demitiu-se

 

Perguntas e respostas para perceber, sem se ver grego, o que se pode passar, após a demissão de José Sócrates.

José Sócrates pediu a demissão do cargo de primeiro-ministro de Portugal. Era um cenário inevitável depois do que foram as posições tomadas pelos partidos com assento no Parlamento em relação ao PEC IV. A sua rejeição, à esquerda e à direita, correspondeu à exibição de um cartão vermelho (directo) ao primeiro-ministro e às políticas do seu Governo.

Não se pode dizer que José Sócrates tenha sido apanhado em fora-de-jogo, por uma circunstância acidental do confronto. O primeiro-ministro, nos últimos tempos, não procurou sair da posição (irregular) de off-side.

Fez alguma coisa para se colocar em jogo? Ele achará que sim, Teixeira dos Santos, Pedro Silva Pereira também, considerando que se tratava de um mero off-side posicional, mas a verdade é que o Parlamento, não obstante a arbitragem em sinal contrário de Francisco Assis, defensor da tese de que o Governo estava em linha com as exigências de Bruxelas, não foi da mesma opinião e as regras protegem as maiorias.

Sócrates (nome de filósofo e de... futebolista) assemelha-se a um daqueles pontas-de-lança peitudos, que vai a todas, pressiona alto e não desiste, mostrando os pitons ao adversário, se para tal for necessário. Entre o ‘jogo limpo’ e o ‘jogo sujo’, é tudo ‘jogo’, passes de letra e canela até ao pescoço.

Obcecado pela competição, Sócrates não se apercebeu dentro das quatro linhas parlamentares a diferença estabelecida entre ‘adversários’ e ‘inimigos’ políticos. Talvez não seja uma questão de inabilidade, mas é seguramente uma questão de natureza técnica. De vez em quando é preciso passar a bola. Soltá-la ao primeiro toque. Temporizar. Jogar no espaço vazio.

Talvez seja importante perceber por que razão José Sócrates ficou a jogar sozinho. Como os meninos pequenos e mimados, que só querem a bola para eles, o primeiro-ministro não soube capitalizar o reconhecimento do seu talento. Não é normal que um homem da esquerda moderada não consiga estabelecer ‘pontes’ nem à esquerda nem à direita. Nada vezes nada.

É um caso de liderança excessiva? É um caso de obstinação pura. É um caso em que a personalidade ultrapassa, em overlapping, por qualquer uma das alas, o próprio político. Ele acha que não há nenhum treinador no Mundo que lhe possa dar conselhos ou fazer correcções. Bem podem ecoar algumas poucas vozes (respeitáveis) do PS, mas Sócrates não ouve ninguém. É idiossincrático. Tem um invulgar feeling político, um instinto verdadeiramente animal, que lhe permite manter acesa a chama de um raro frenesim. É um líder com uma grande ânsia totalitária. E, como todos os líderes que se julgam capazes de tudo controlar, há um momento em que se perde o controlo. Nem tudo é controlável, mesmo que pareça ser; mesmo que se trate de um jogo de forte sedução e se parta com ele com a ideia de que não há outro resultado possível senão a vitória.

Talvez seja importante recordar que Sócrates assomou quando o PSD se deixou abater por um clima de recreio. Durão Barroso pegou na trouxa. Santana Lopes tropeçou na sua instabilidade anímica. A mudança também parecia ser um imperativo, porque o PSD também fez tudo para merecer ser substituído e ganhar um lugar no banco dos suplentes. O jogo é assim, em democracia. Não se é eternamente titular. E as mudanças tornam-se necessárias.

No futebol, os grandes campeonatos também estão em crise e, no universo da bola, o FMI também vai aparecer, com consequências gravosas. Porque os mecanismos são exactamente os mesmos. Permissividade perante as imparidades. Tolerância perante a desregulação. Falta de verdade. Esquemas paralelos. Muitos a ganhar milhões para outros terem de rapar o tacho.

Os partidos parecem perdidos em campo, tacticamente desordenados, um certo caos, do tipo ‘todos ao molho e fé em Deus’. Não emerge uma referência, Cavaco Silva tenta fazer a transição rápida entre o MI 1 (Magistério de Influência 1) para o MI 2, que é assim uma espécie de meio caminho entre a Rainha de Inglaterra e a Rainha da Jordânia. Uma questão de mera estética (cosmética) ou de falta dela.

Não fiquem dúvidas: nem das responsabilidades efectivas de Sócrates nem da sua capacidade de se levantar, depois de cair. António Costa ainda teve um laivo de rebelião quando tentou jogar a libero (visando Teixeira dos Santos), mas Sócrates não apenas entrou a pés juntos sobre a esquerda e a direita, no Parlamento, tratando os deputados como ‘rapazes pequenos’ (que muitas vezes foram), como ‘secou’ quase totalmente o PS, com uma marcação homem-a-homem de fazer suar as estopinhas.

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